sexta-feira, 1 de novembro de 2013

CARTEIRA DE SENHORA

DIA 91

Inesperadamente, a carteira fez-me descobrir, no seu bojo infinito, um papel com dois temas propostos. Não percebi se eram à escolha, à maneira dos testes americanos, se cumulativos, como nas antigas provas portuguesas, porque se remeteu ao silêncio costumeiro. 

Num fim de tarde deste inquieto Outubro, fomos as duas, de braço dado, a um debate sobre património, organizado pela Real Associação de Lisboa. Não estava muita gente mas era gente interessada e sobretudo revoltada.

É com mágoa profunda que olhamos para esta Lisboa tão diferente da que esteve presente na nossa infância… Quase não a reconhecemos, tal a descaracterização. E nem precisamos de Hercule Poirot para descobrir os culpados. É um crime em complot público e privado. A PPP do património. Neste caso pagamos em espécie e torna-se ainda mais cara do que as outras, porque nos mata as memórias e a História. Mais grave ainda, é haver destas PPP por esse Portugal fora.

Chamava-se o debate, “Lisboa problemas e soluções”. Problemas tem Lisboa aos centos senão aos milhentos. Soluções também haverá, para o pouco que ainda resta. Saber quais as mais eficazes parece um bico-de-obra. 

Uma das principais inquietações é que sejam cada vez menos aqueles que verdadeiramente se preocupam. Houve quem dissesse serem poucos os que conhecem e amam Lisboa, que as pessoas não querem saber se um palacete do séc. XVII é destruído, que ninguém dá valor ao património…

Para os lisboetas (e outros!) que desconhecem Lisboa, a solução parece fácil. Dá-la a conhecer. Mas será que se interessam? Será que participam? 

Antes do mais, essa magnífica e fascinante descoberta do património (já agora, não só do edificado) devia fazer parte do programa escolar. Não o sendo, é essencial que as próprias escolas, os pais, as associações locais a promovam, nem que seja para conhecer o da freguesia ou do concelho onde se inserem. 

Além disso, pensando agora num público mais abrangente, esse novo achamento do património também podia começar a nível da freguesia ou, melhor ainda, do bairro, uma escala menor. Se os moradores conhecessem profundamente o património do seu bairro e a História por ele contada creio que teríamos um exército pronto a pegar em armas para defesa do que também lhe pertence.

Outro assunto é este feriado, um dos mais antigos, também roubado sem dó nem piedade. O dia de Todos-os-Santos. Como se não bastasse andarem há uns anos a impingir uma qualquer festividade onde se cozinha uma mistura indigesta de bruxas com abóboras e que nos é (ou devia ser!) estranha... Não há dúvida de que sabem fazê-lo: começa na escola. Lá está… Reaparece o subtil corte com memórias, tradições e História, na senda inexorável de um qualquer plano demolidor para todas as áreas, perímetros e arestas de Portugal.

Foi precisamente no dia de Todos-os-Santos que grande parte de Lisboa ficou destruída em 1755. Foi imenso o património perdido, imenso o que foi reconstruído e construído. Perante os atentados diários, não é possível a indiferença, não é permitida a inacção. 

Bem precisamos da ajuda de todos os Santos neste combate.

Leonor Martins de Carvalho