sexta-feira, 8 de novembro de 2013

CARTEIRA DE SENHORA (92)

DIA 92

Confessou-me a carteira que mão amiga lhe tinha sussurrado o tema desta crónica (não terá sido antes boca?). Deo gratias por mãos amigas deste calibre. As que nos socorrem em momentos de aflição.

Portugal foi quase sempre país mais para sair do que para entrar. As portas aqui só servem para abalar. Somos um rectângulo gigante fluorescente com um senhorzinho verde caminhando a indicar a saída e a palavra EXIT em letras garrafais. 

Não sei se é vocação, se fatalidade. Provavelmente ambas. Acredito que poucas vezes foi de boa vontade. As malfadadas ou benfazejas circunstâncias (cada um saberá…) foram ditando as regras.

Saímos, fomos saindo, ao longo dos séculos, desde os Descobrimentos. Nos anos sessenta, então, foi uma sangria. Começou aí o esvaziamento das aldeias. Hoje, a crise e os desgovernos empurram mais gente borda fora. 

A grande diferença para o passado é que nessa altura o saldo demográfico era mais do que positivo. Havia muitos filhos. Portugal regenerava-se. 

Hoje é o filho único ou os dois únicos filhos que emigram. Vão ficando os velhos. Cada vez mais uma sombra de si, Portugal corre o risco de se esvaziar de portugueses. 

Aos que vão, custa-lhes sempre a partida mas depois dificilmente voltarão. Vale-lhes o mimetismo português que tanto ajuda a integração, seja na cosmopolita Nova Iorque, nas profundezas de uma selva africana, ou nos opulentos Emirados.

Guarda muita estima pelo país a primeira geração, talvez também a segunda, mas daí para a frente, não sei. Temo especialmente pela língua. Para os governantes é coisa supérflua e para aniquilar, a cultura. Qual ensino do português no estrangeiro, qual promoção e defesa das tradições! Tesoura com isso tudo! 

Estaremos então condenados, como povo de pescadores e marinheiros, às dilacerantes despedidas e às longas esperas neste cais até à nossa própria morte?

Com o património, a terra e os bens públicos vendidos a estrangeiros e os jovens emigrados, resta esperar uns anos pelo fim.

Ainda lhe mudam o nome.

Leonor Martins de Carvalho