segunda-feira, 7 de outubro de 2013

CADERNOS INTERATLÂNTICOS (37)

Ontem, dia 5 de Outubro, 870.º aniversário do Tratado de Zamora, dei comigo a pensar nos esforços e nos sacrifícios que comportaram a fundação de Portugal, a sua consolidação e genial expansão pelas quatro partidas do mundo, sem esquecer as heróicas Cruzadas na defesa intransigente da sua integridade e existência. Outro dia, numa manhã dominical e lisboeta, passava eu pelo Alto de São João quando deparei com uma inscrição, em boa caligrafia, no muro do cemitério: “Portugal morreu. Paz à sua alma”. Confesso que fiquei a meditar nestas poucas mas graves palavras em tom de terrível e definitiva sentença. De facto, todos os atributos de um agregado nacional nos vêm sido roubados, minados, destruídos sem a menor cerimónia. Segundo mentes muito avançadas a solução para a terrível “crise” que assola Portugal – como se a tal crise da vez não fosse a consequência lógica, quiçá a conclusão, de um processo explosivamente iniciado há quatro décadas – parece ser, justamente, deixar de ser Portugal. Algo como suicidar-se para continuar vivo, ou prostituir-se para guardar a virtude. Recordo que Salazar uma vez vaticinou que aqueles que lhe sucedessem fariam diferente ou ao contrário dele. Nisto como em tanto mais o seu julgamento mostrou-se certeiro. Nos cinco anos e meio de marcellismo fez-se diferente, desde o desgraçado 25/A/74 faz-se o contrário, com os resultados à vista dos que têm olhos, querem ver e percebem o que vêem. Salazar concebia Portugal sobretudo como uma “entidade moral, formada ao longo dos séculos pelo trabalho e solidariedade de sucessivas gerações ligadas por afinidades de sangue e de espírito”. A Nação, realidade natural e histórica, era produto de “sacrifícios sem conta” e da “cooperação de esforços”, era “identidade de origem”, era “comunhão espiritual” – era, em suma, um “património colectivo” sagrado que justificava “o dever de servi-la  e dar a vida por ela.” Ora desde a manhã dos cravos e dos amanhãs que cantam e até hoje, já não há dever de servir a Nação, mas vantagem em servir-se dela. Já não se dá a vida por ela mas é ela que, exangue, dá a sua vida pelos seus parasitas. Tornada mera associação de interesses materiais, e pelo que parece, provisórios, pode ser – e foi – alterada pelos inquilinos de turno, despedaçada no seu corpo, desviada do seu rumo histórico, esvaziada da sua essência. E hoje, desfigurada em mercearia de terceira por moderníssimos gerentes do estrangeiro, pode Portugal, ou melhor, o que dele teimou em ficar, ser vendido ao retalho e ao desbarato ao capital apátrida, a especuladores, a “empresários” de origens obscuras, a terroristas assassinos ou a delinquentes internacionais de variada extracção. Passei outra vez pelo Alto de São João e o “graffiti” que tanto me havia impressionado ainda ali estava, mas com uma alteração:  ao “Paz à sua alma”, um maroto qualquer acrescentara o qualificativo “danada”. Espero que não cheguemos a tanto. Quem sabe se a traição e a ignomínia de tantos  não pode ser redimida pela abnegação e sacrifício de alguns poucos, ou mesmo de um só?  Sebastianamente... morrer, mas devagar.

Até para a semana, se Deus quiser.

Marcos Pinho de Escobar