sexta-feira, 30 de agosto de 2013

CARTEIRA DE SENHORA

DIA 82
Hoje resolvi mostrar à carteira um novo mundo: o mundo secreto das secretárias antigas.
Abrimos a tampa devagarinho com o respeito que merece uma papeleira de provecta idade e começámos a inspecção minuciosa a cada uma das divisórias, cada uma das gavetas, cada uma das caixinhas, cada um dos papéis.
Do relatório oficial da viagem a estas paragens desconhecidas mas nunca inóspitas, extraio alguns trechos.
Aparos, lacres, tinteiros e carimbos vários, com monogramas. Dentro de um sobrescrito, os estudos e desenhos de diferentes monogramas escolhidos para coser na roupa, para pôr no gado…
Missais para criança. Santinhos. Lembranças de baptizados e de primeiras comunhões. Menus de casamentos aqui celebrados. Cartões in memoriam. Cartões de visita. Chapa de cartão de visita.
Recortes de jornais com notícias pias, anedotas e receitas. Jornais de várias épocas com anúncios do noivado, do casamento ou da morte. Recortes de revistas com variedades de rosas.
Caixinhas de papel ou de lata, anteriormente de sabonetes, perfumes ou algo que já é imperceptível e que agora têm conteúdos diversos: chaves de urnas delicadamente assinaladas com fita preta, luvinhas, meias e sapatos bordados de bebé, uma madeixa de cabelo embrulhada em pedaço de jornal, restos de planta embrulhados num papelinho explicando que se trata de uma folha de cardo encontrada nos metais da divisa do boné que um tio usou na revolta de Monsanto onde foi ferido, moedas, selos e aquelas pequenas peças que já ninguém sabe o que é mas também ninguém se atreve a deitar fora.
A flauta de um antepassado. Pautas de música para piano, essencialmente óperas de Verdi, e viola.
Cadernos de estudo sobre História e História de Arte, em várias línguas, numa caligrafia cuidada. Um caderno pequenino, com o alfabeto cirílico e algumas palavras em russo.
Conjuntos de postais comprados aquando de visitas ao estrangeiro. Postais e cartas enviados por quem estava noutras paragens, de férias ou na tropa. Uma carta escrita em 09/02/1908 que fala do Regicídio. Outra que descreve, com um humor extraordinário, a estadia na província e o drama das visitas. 
Desenhos, muitos. De crianças, adolescentes e adultos. Fotografias, muitas. Algumas de pessoas que não sabemos nomear. Molduras. 
Uma secretária antiga tem alma. Muitas almas. A de cada um que a utilizou, preservou o que continha e lhe acrescentou a sua parte. Guarda-lhes os segredos que vão sendo revelados às sucessivas gerações. É um mundo inesgotável e sempre renovado. A nossa História.
Leonor Martins de Carvalho

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

CADERNOS INTERATLÂNTICOS (31)

Ontem estive no Santuário de Fátima. Contrário ao costume, já que lá não vou nos fins de semana e, muito menos, no auge do Verão. Imensa gente, das mais variadas extracções, a pagar promessa, a reconciliar-se com Nosso Senhor, a rezar o Terço com fervor – e graças a Deus! Fiquei impressionado com a quantidade de espanhóis, possivelmente uns bons 2/3 de quem lá estava. Surpreenderam-me duas coisitas mais... infelizmente más.  Pelo menos a metade dos visitantes do Santuário estavam “vestidos” como se tivessem vindo directamente das praias:  t- shirts, calções e as pavorosas chinelas brasileiras “havaianas”, com direito à maçónica bandeirinha verd'amarela. Assim se passeavam, estavam na Igreja, assistiam missa. Mas não é tudo. Topei não com um mas com dois indivíduos que traziam a imagem do Che ao peito. A última vez que verifiquei, o argentino, além de ateu e marxista, havia sido um psicopata e assassino serial sumamente sanguinário. Já sei... I´m too old, too fat & too old-fashioned e não me dou com os novos tempos, sou um lefebvriano empedernido e provavelmente “fascista”, etc., mas em chão tantas vezes pisado por Maria Santíssima o devido decoro deveria ser imposto, mesmo à custa de pequena mossa nas credenciais modernistas das autoridades do Santuário. Mas em tempos de apostasia generalizada fechemos este caderno em beleza recordando hoje, dia 25 de Agosto, a São Luís Rei de França (1214-1270), modelo de monarca católico. Dotado de uma Fé absoluta, sentida e vivida, concebia a sua passagem pela vida terrena – ser humano e Rei – como serviço, entrega, abnegação, penitência e sacrifício. Exemplo de piedade e devoção, São Luís tinha na moral cristã a sua norma de conduta, e orientou a sua acção na busca da paz e da justiça. Pai amoroso de seu povo, ocupava-se tanto das suas pequenas questões como dos assuntos mais transcendentes. Nutria um amor especial pelos pobres e desamparados:  tinha o hábito de os convidar à sua mesa, lavava-lhes os pés, visitava e colaborava em hospitais, repartia esmolas. Guerreiro e Cruzado, possuía a clara noção do combate justo e na vitória tratava os vencidos com grande caridade e misericórdia. Soube, igualmente, conciliar as suas obrigações de fiel cristão com os deveres de Rei para com o seu povo. São Luís Rei de França era filho de Luís VIII e da Princesa Branca de Castela – cuja irmã, D.  Berenguela, foi mãe de São Fernando Rei de Castela.  Duas irmãs, cada qual a gerar um Santo e um modelo de governante dedicado ao bem comum. Nada mal para uma época qualificada de “idade das trevas” pela historiografia revolucionária. Felizes as gentes que viveram naquela escuridão governadas por Santos! Nós, iluminadíssimos, cá vamos andando de mal a pior, desgovernados por uma canalha de delinquentes.  

Até para a semana.

Marcos Pinho de Escobar

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

CARTEIRA DE SENHORA

DIA 81
De volta ao campo a carteira finalmente descansa. Descansa, mas não consegue disfarçar o medo. 
Nas minhas memórias de pequena também entram incêndios, sim. Até um bem grande que chegou perto e fui ajudar a combater, batendo com rama nos pequenos focos com as forças todas que tinha. Mas era um, uma vez por outra, nada que não fosse rapidamente controlado. 
Depois, foram aparecendo as várias razões do que hoje presenciamos. Nem sei qual a primeira ou a maior responsável. Já nem isso interessa.
Chegaram as fábricas de papel e a sua absoluta necessidade de eucaliptos e pinheiros bravos, pagos a peso de ouro comparando com o que rende a agricultura.
Saíram as pessoas das terras, desertificando-se o interior, deixaram de se cultivar os campos e trocou-se o rendimento incerto e trabalhoso pelo rendimento certo sem trabalho local, de ter umas árvores cortadas de tempos a tempos pelos madeireiros e fábricas. Uma falsa floresta foi ganhando espaço à antiga floresta e à cultura agrícola.
A lenha deixou de ser tão precisa, não há gente, não há tantas lareiras, o aquecimento vem de outras fontes, cozinha-se a gás, já não interessam tantos galhos, pinhas e carqueja, ficam nas matas. Limpar é caro, nem toda a gente pode, e só é eficaz se tudo estiver limpo.
O que mudou também foi que, além de causas naturais, descuidos ingénuos e gente louca que ateia incêndios, temos agora os que supostamente não são loucos e que buscam alguma espécie de ganho naquele horror.
Já vimos de tudo. Desde madeireiros a bombeiros, às empresas que alugam os aviões e helicópteros… Um artefacto com pára-quedas não é com certeza para atirar da janela de um carro ou de uma mota.
Alguém me disse que em Espanha tinham tido uma ideia brilhante. Não consegui confirmar a veracidade da história, mas talvez funcionasse. A ideia era, na atribuição de uma zona a proteger de incêndios, receberem tanto mais quanto menos incêndios houvesse e o máximo, se não houvesse nenhum. Não sei bem como funciona e se servia para os meios aéreos mas também para os bombeiros e outras forças de prevenção.
Resolve? Não sei. E já agora que todos os meios de comunicação fizessem a experiência de não transmitir imagens nem entrevistas no local durante esta época, anunciando isso mesmo com antecedência. Só para ver se faz diferença. Tal como levar o Conselho de Ministros mesmo para o meio de um fogo. Talvez percebam que alguma coisa tem de mudar.
Os bombeiros têm sido heróicos até ao sacrifício das suas vidas numa luta desigual. Os mortos e feridos bem como a destruição do património deveriam colar-se como sombras em pesadelo eterno dos criminosos.
Não quero, não queremos, reviver o horror de 2003 (cada terra terá o seu annus horribilis, algumas vários), quando o Concelho do Gavião foi devastado, com inúmeras frentes de fogo simultâneas, tirando qualquer dúvida sobre a sua origem humana, em que arderam milhares (não estou a inventar) de sobreiros, azinheiras, pinheiras mansas (interessam-me mais do que os eucaliptos e os pinheiros), animais e culturas, aldeias que ficaram completamente cercadas, tudo em alvoroço, sem bombeiros suficientes para chegar a tudo, pessoas a ajudar no que podiam com as alfaias, as labaredas infernais, o fogo transportado pelas pinhas projectadas e até pelas margens dos ribeiros, a família e os amigos extraordinários a acorrerem vindos de longe, a dor de ver o campo de uma cor que não lhe corresponde, os chaparros de luto porque não chegam a sobreiros…
Desde aí que os nossos olhos procuram angustiosa e inconscientemente o horizonte para descansar a alma. Nunca mais o Verão foi o mesmo.
Leonor Martins de Carvalho

terça-feira, 20 de agosto de 2013

ÁGUA MOLE EM PEDRA DURA...

Vale a pena permanecer aqui? Parece que sim, passam por cá cerca de 200 pessoas todos os santos dias. E dizem que estamos de férias. Só que nós não andamos a dormir. Ganhamos alguma coisa com isto? Sim, a consciência tranquila, devido ao dever cumprido.

SUBSÍDIOS TRADICIONALISTAS

Saúdo a chegada à teia mundial do blogue colectivo Prometheo Liberto. Mais um grupo de corajosos autores que mostram saber aproveitar a blogosfera enquanto ela ainda é livre. Em frente, o tempo urge!

NOTÍCIAS ESCONDIDAS PELOS MEIOS DE DESINFORMAÇÃO MUNDIAL

No Egipto, os cristãos coptas estão a ser perseguidos e assassinados. Agora, mais do que nunca. Mas, isso não interessa nada.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

CADERNOS INTERATLÂNTICOS (30)

A “demo-liberalice” – entendida como partidocratite eleiçoeira – que assola estas paragens dá a medida exacta dos (des)governos imediatistas. Já alguém referiu que se um estadista é aquele pensa nas próximas gerações o político profissional é quem pensa apenas na próxima eleição... Que mal irreparável podem fazer às Nações certos titulares de poder que arrogam-se o direito de dispor do património efectivamente nacional, como se a geração que dizem representar fosse proprietária não só do presente como também do passado e do futuro. Vem-me ao espírito o grande Juan Donoso Cortés, com a sua ideia de unidade do tempo, de solidariedade como responsabilidade comum num agregado social: se não existe um “vínculo de união” entre o passado, o presente e o futuro, o homem não vive se não no momento actual, sendo a sua existência mais “teórica” que “prática”. Ou seja: o homem que não vive em todos os tempos não vive em tempo algum. A unidade do Portugal pluricontinental estava profundamente enraizada no passado enquanto apontava decididamente para o futuro. Esfacelou-se revolucionariamente esta unidade, deitando-se fora as raízes, um destino e uma missão histórica. Como se sabe, os autores desta inenarrável tragédia humana, moral, material e nacional fugiram “exemplarmente” às responsabilidades. Qual o destino ou a missão na História que nos resta? Terá ainda fôlego para algo que valha o exíguo Portugalinho “obra prima” da abrilada? 

Até para a semana.

Marcos Pinho de Escobar

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

CARTEIRA DE SENHORA

DIA 80
 
Hoje, no dia em que escrevo, 15 de Agosto, dia em que se celebra a Assunção de Nossa Senhora, passam quarenta e nove anos sobre o dia em que meu pai morreu. Lembrei-me pois de vos deixar com dois pedaços de textos, um do Pai e um da Mãe. Não me perguntem porque os escolhi, entre tantos que ambos escreveram e se entrelaçam, como se entrelaçaram na simbiose que foi e é a sua vida.
 
Da Mãe:
«….
Desarrumadores do mundo, chamou alguém a este povo que inconscientemente misturou no seu sangue povos, culturas e línguas, em sede inextinguível de universalismo, de absoluto… Aqui tudo acaba porque tudo é pequeno. Aqui tudo se extingue no riso e na troça, que “nada é maior do que a nossa alma.”

No horóscopo de Portugal, que Fernando Pessoa traçou, a última data nele inscrita é a de 1978 que assinala a entrada na Casa N, a descida aos infernos onde moram os antepassados. O fim…

Peço desculpa desta fraqueza mas eu também sou deste país de bruxas, lobisomens e almas do outro mundo, de fado e fatalidade, de segredos e coincidências (Rússia 1917, Fátima 1917) de presságios e maus augúrios, do sonho e do nevoeiro… E se me socorro da linguagem espúria e estranha que ressuscita os nossos fantasmas colectivos apenas o faço para melhor olhar a realidade. A lucidez negativa do pessimismo é um bisturi implacável na cura dos abcessos de fixação.

E ao olhar a realidade portuguesa cujo único fito se cifra actualmente em ser Europa, em ser um bocado da Ibéria, em pedir esmola de um lugar na convivência de mercados de trocas e baldrocas, chego a pensar que se acabou de vez e de facto a História de Portugal e que os donos do ensino têm toda a razão quando, aos meninos e às meninas, impingem economia em vez de História… Não é moeda, esta.

Será que teremos finalmente de encarar o despojamento total, o zero do nosso destino? Como se D. Sebastião, finalmente, tivesse acabado de morrer… Mas a pulsão da morte, que inconscientemente nos atrai, tanto pode constituir a purificação ritual de nova iniciação como a tentação satânica da destruição, opondo-se ao acto divino do Criador.

Não tenho medo. Incorrigíveis, quando já não houver nada a lembrar e nada a esperar, senão uns hipotéticos encontros imediatos do 3º grau, ainda havemos de ter saudades… Como será o outro lado da esperança?

Ah, D. Sebastião! Daqui até ao dia 4 de Agosto, havemos de ajustar contas se o nevoeiro não levantar.

E até lá valho-me de João Bettencourt e do seu soneto PÁTRIA AD NAUSEAM, ele, que é açoreano e da Ilha de S. Jorge:

…..
povo de velas, lavras e luar,
ladrões do nada, conquistadores do ar,
cumprimos não sei onde Portugal.

Portugal não é um onde. Portugal não é um lugar. 
Portugal não é isto… Felizmente.»

Teresa Maria Martins de Carvalho
Final do artigo publicado no Jornal Novo em 28/3/78, republicado em D. Sebastião e Eu, Biblioteca do Pensamento Político, 1982

Do Pai:
«…
Para quem creia no Homem e no seu destino neste mundo, no carácter itinerante de cada um e também da Civilização, repugna crer na fatalidade cega de um fim como o que fica esboçado.

Presenciamos o choque de dois Mundos, o facto dominante deste século. 

Mas o Homem poderá sempre, se quiser, continuar a ser Homem. Para tal, impõe-se separar, em tudo e por tudo, os processos da Economia e da Política.

Importa repensar a Política e partir de posições de todo em todo novas. Importa buscar um Regime de Valores Humanos, alheado de tumultos, de abstracções e de ideologias, estribado firmemente no concreto, nas comunidades reais que protegem a Pessoa, na reflexão, na comunicação, na fidelidade.

Importa repensar as origens – a democracia grega, a república romana, a monarquia medieval – quando a verdade política era mais pura e os homens eram mais eles mesmos. E, à luz dos ensinamentos da Polis, da Urbs, ou dos Reinos, tudo poderá ser encarado – até a unidade política do Mundo.

Importa, portanto e para já, preparar as novas gerações na consciência da sua dignidade de Pessoas, na crítica radical de todos os “pseudos” em que vivemos, na imunidade aos excitantes nervosos da sensibilidade política, no gosto do estudo, dos descobrimentos e redescobrimentos, no amor do concreto, na humildade de espírito, na coragem da alma.

Desta maneira – mais que com a divulgação de corpos de doutrina – se prepararão hoje os obreiros da Cidade Nova de amanhã.»

Rivera Martins de Carvalho 
Final do texto “Análise política da Propaganda” publicado na Cidade Nova nº 2 da VI série (Abril de 1960) e republicado em Diário Político e outras páginas, Biblioteca do Pensamento Político, 1971

Tivessem sido eles agricultores, pescadores ou operários, contaria com o mesmo orgulho as suas histórias, pensamentos e vidas. Tenho a sorte de eles próprios falarem. E como falam…

Leonor Martins de Carvalho

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

AINDA A PROPÓSITO DE ALJUBARROTA

S. Jorge
(+ c. 303)
Mártir. Padroeiro Protector de Portugal desde D. Afonso Henriques.
O auxílio prestado pelo Duque de Lencastre, filho do Rei Eduardo III de Inglaterra, ao nosso Rei D. Fernando I na luta contra Castela trouxe-nos daquele País aliado um incremento de devoção a S. Jorge. O grito de «S. Jorge» substituiu para os Portuguese na guerra o de «S. Tiago», até então usado em toda a Península Ibérica. No lugar onde esteve içada a Bandeira Portuguesa por ocasião da Batalha de Aljubarrota (1385) fundou-se em 1388 uma ermida dedicada a S. Jorge. Em 1387 começou a incorporar-se na Procissão do Corpo de Deus, por ordem de D. João I, a Imagem do mesmo Santo a cavalo.

Nota: O Rei Eduardo III de Inglaterra tinha fundado em 1330 a célebre Ordem dos Cavaleiros de S. Jorge. Estes são conhecidos também pelo nome de Cavaleiros da Jarreteira.

HÁ MESES ASSIM

Agosto:
Da gloriosa Batalha de Aljubarrota (14 de Agosto de 1385) à trágica Batalha de Alcácer-Quibir (4 de Agosto de 1578).
Princípio e fim da Dinastia de Aviz.

HÁ DIAS ASSIM

14 de Agosto:

1318 — Fundação da Ordem de Cristo.
1385 — Batalha de Aljubarrota.
1433 — Morte de D. João I, Rei de Portugal.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

CADERNOS INTERATLÂNTICOS (29)

“Fé e Império.  Destino da Pátria eterna! E contudo entre tantos milhões de portugueses, quantos há que compreendem e sintam isto, a fundo, e tenham consciência de que, reduzido à insignificância territorial do século XIV, Portugal teria perdido as suas feições históricas, o seu prestígio internacional, e a razão de ser da sua existência no Mundo?  Sem espaço físico para o Presente, sem ambições nem glória para o Futuro, sem expansão possível, económica, navegadora e emigratória, sem recursos nem de onde lhes viessem, sem possibilidades de existência independente – o que seriamos nós, Nação e indivíduos, perdidas dessa forma todas as forças morais e materiais? – o que seriamos nós mais que uns tolerados, sob a hegemonia de outros mais fortes e poderosos, e sobretudo, mais viris e dignos de mandar?” 

Não, estas linhas não foram retiradas de um discurso de Salazar.  Tampouco são da pena de algum perigoso fascista. O que aí está reproduzido é da lavra de Henrique de Paiva Couceiro, o “último defensor da Monarquia”, e que de estado-novista, como se sabe, não tinha nada. Elas servem para recordar como a defesa intransigente – conceptual, diplomática e militar – do Portugal euro-ultramarino estava longe de ser “teimosia pessoal” do antigo Presidente do Conselho, sendo noção profundamente enraizada na sociedade e partilhada por todo o arco político. Como já tinha prevenido Salazar, se nestes tempos os homens estavam divididos quanto à melhor forma de servir a Pátria, não faltaria muito para que a divisão passasse a ser entre os que a defendem e aqueles que a negam.  Amputado o Ultramar pela traição abrilina, regressámos – arruinados – à insignificância de que falava o homem da Monarquia do Norte. Suas palavras aplicam-se como uma luva: roubaram-nos a nossa identidade histórica, o nosso prestígio internacional, a nossa razão de ser. Deram cabo do nosso suporte moral e material, reduziram-nos à uma confrangedora exiguidade, deixaram-nos sem honra e sem futuro. Em suma: destruíram as nossas possibilidades de vida independente. Graças à canalha que saiu do esgoto em 74 deixámos de dar ordens a Neptuno e Marte para sermos uns meros “tolerados”.  Um luxo.

Até para a semana.

Marcos Pinho de Escobar

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

CARTEIRA DE SENHORA

DIA 79
Não se dá bem com o calor, a carteira, maldiz o clima e cai nuns delírios incompreensíveis. No papelinho do costume descobri garatujas que percebi serem impropérios dirigidos à minha pessoa, relacionados com qualquer coisa como quebra de contrato, usurpação e deturpação temática e acusações desse ou maior calibre, ameaçando-me de processo num tribunal lá no país das carteiras onde pode constituir advogado. Quando a levar comigo para o campo acalmará.
Dantes até havia um certo descanso da política por estas alturas. Agora nem no Verão nos largam, oferecendo-nos a novidade de uma temporada estival de silly season política. 
É verdade que em cada semana podia escrever (como a carteira afinal pretende) sobre as tricas ainda frescas, os últimos descaramentos, lembrar as sem-vergonhices anteriores, conseguir ainda surpreender-me com a desfaçatez e chegar à conclusão de que não há emenda. Por vezes ainda escapam algumas alusões mais actuais, mas a distância com que olho para esse tipo de notícias é cada vez maior. Só vêm confirmar o que sabemos há muito tempo e um olhar longínquo leva-me à raiz do problema, não se dilui nos detalhes da rama. O inconveniente, como já perceberam, é a inevitabilidade de me repetir.
As tricas e as trocas-baldrocas não me afligem. O que me aflige são outras coisas. As que observo com precisão por não perder tempo com os microcosmos políticos. Sou entusiasta incondicional de microcosmos sendo estes a fatídica excepção. Daí que as minhas aflições sejam de outra estirpe.
Aflige-me o buraco negro chamado Europa sorvendo soberanias como quem brinca ao monopólio, aproveitando sorrateiramente, em tempos de crise, as distracções e fraquezas.
Aflige-me este monopólio de representação política que fatalmente conduziu ao nepotismo e à corrupção, ao namoro e casamento com pompa e circunstância entre o negócio e a política, com sinistros padrinhos cuja morada fixa devia ser uma cela.
Aflige-me a centralização forçada e a destruição sistemática, usando caminhos desleais e justificações torpes, de pessoas, aldeias e culturas (um verdadeiro genocídio) no que sobra do interior de Portugal.
Aflige-me a insensibilidade, a indiferença e o desconhecimento total do país e dos seus povos tomando Portugal como Lisboa em qualquer decisão.
Aflige-me a incapacidade da justiça e a pobreza da educação.
Remediadas estas aflições podia então recorrer ao microscópio à procura de afliçõezinhas.
Quanto aos meninos das tricas deviam estar todos de castigo. Ah! Lembro-me agora que já não se usam os castigos, não são considerados pedagógicos. Será por isso que assim penamos?
Leonor Martins de Carvalho

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

CADERNOS INTERATLÂNTICOS (28)

No passado dia 31 morreu em Paris, aos 93 anos, Jean Madiran, último discípulo ainda vivo de Charles Maurras.  Os jornais franceses ditos “de referência” que se animaram a noticiar o ocorrido, se foram económicos na extensão de suas notas, já foram pródigos nos epítetos do costume: “extremista de direita”, “católico integrista”, “anti-semita”, “vichyista”, etc – condecorações que o inimigo do mundo costuma atribuir àqueles que entendem a vida como um combate por Deus e pela Pátria.  

Secretário de Maurras, colaborador do diário L´Action française e da Revue Universelle, criada por Jacques Bainville e Henri Massis, fundador da revista Itinéraires e do diário Présent, Madiran foi um implacável defensor da Tradição Católica e uma figura intelectual de primeiríssima ordem no panorama contra-revolucionário. Pode-se dizer sem medo de errar que, com o genial Pierre Boutang, falecido em 1998, partilhou o privilégio e a responsabilidade da herança doutrinal maurrasiana.  

A obra que nos deixa é vasta e de peso. A título ilustrativo e não limitativo refiro aqui alguns: La Philosophie politique de saint Thomas (1948), seu primeiro livro, com prefácio de ninguém menos do que Maurras. Sobre o Mestre vai publicar dois trabalhos emblemáticos: Pius Maurras (1966) e Maurras (1992). Em choque frontal com o Concílio Vaticano II e contra a demolição da Igreja de sempre: Le Concile en question (1985), La révolution copernicienne dans l´èglise (2002), Une civilisation bléssée au coeur (2002). Sem esquecer La Cité catholique d´aujourd´hui (1962), La vieillesse du monde: essais sur le communisme (1966) e Les deux démocraties (1977), além de artigos sem conta nas suas publicações periódicas.  

Foi chamado à casa do Pai num dia de Santo Inácio de Loyola.  Amou a Deus e a França, entranhadamente. Foi homem de oração e de trabalho até ao último suspiro.  Que na Santa Paz de Deus descanse.  Jean Madiran, presente!

Até para a semana.

Marcos Pinho de Escobar

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

CARTEIRA DE SENHORA

DIA 78

Disse-me a carteira, em confidência, que aprecia muito este mês de estiagem e de preguiça.

Confessei-lhe, em troca, que o manso Setembro me agrada mais, mas no fundo as saudades abrangem os longos meses de férias da infância, onde cabe Agosto por direito e inteirinho.

Por acaso é dos meses cujo plural é feio. Não na sua ortografia, porque mantém o redondo no acrescento do s e até ganha equilíbrio, mas na pronúncia. Deve ser por isso que se hesita quando se diz Agostos, à procura de beleza. Outro mês assim é Abril. A experiência auditiva de Abris remete de imediato à esganiçada da Castafiore das aventuras do Tintin. 

À semelhança de todos os outros meses, há Agostos para todos os gostos e podem decorrer a gosto ou a contragosto, mas só ele nos deixa brincar assim, com o próprio nome. 

Começando pelo lado tenebroso do mês, tememos o Agosto das não notícias, o das festas políticas a pensar nas eleições, o dos incêndios e o da letra minúscula no acordo ortográfico. 

Depois temos os outros, os nossos.

O Agosto da cidade, deserta, serena, quase vila, finalmente respirável e apetecível, incitando a renovadas promessas de visitas com olhar de turista raramente cumpridas.

O Agosto do campo, do calor apertado, impossível, do refúgio no fresco das casas ou nas generosas sombras de árvores e latadas, dos banhos nos tanques ou de mangueira, das festas de aldeia com procissão, foguetório e bailarico, das noites longas de conversas lentas ao relento, debaixo do verdadeiro céu, o das estrelas, que a cidade desconhece.

O Agosto da praia, das memórias perdidas, do jogar ao prego, do dormir a sesta, dos banhos sem fim, das bolas de Berlim, da bolacha americana, dos Robertos, do gostinho saboroso a liberdade, das primeiras paixonetas e das vias tortuosas mas infantis para chegar ao pé do nosso idílio, do sair à noite, dos encontros das famílias nos cafés, dos passeios à beira-mar em inesquecíveis fins de tarde de despedidas ao Sol.

Agosto das memórias ou Agosto hoje, afinal é o mês, para além de Dezembro, a que associamos a maior parte das nossas recordações. Assim nos deixem!

Leonor Martins de Carvalho

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

LEITURA EM PLENO VERÃO

Estou de abalada para o meu lugar de veraneio preferido. Vou sem livros. Tomei esta decisão já há uns anos. E a coisa tem corrido muito bem. Isto porque a histórica povoação é fértil em alfarrabistas, mercados de livros usados e feiras do livro. Tenho feito lá grandes descobertas. Regresso à base sempre carregado.

VIDA EM PLENO VERÃO

Até aos vinte anos, os filhos passam as férias de Verão na praia com os pais. Aos vinte, desaparecem. Aos quarenta, regressam, também eles já pais. Aos sessenta, livres das responsabilidades da paternidade, com os filhos criados, são avós descontraídos. Aos oitenta, tornam-se sábias figuras patriarcais para toda a família. Aos cem, chegam os abençoados por Deus.
A luz solar e o ar do mar ajudam a ver com clareza tudo isto.