sexta-feira, 26 de julho de 2013

CARTEIRA DE SENHORA

DIA 77

Outra semana, outro dia, outra volta a temas. A carteira não desiste e não me deixa desistir. Andamos aqui às voltas e o país também.

É um baile. Um baile onde os pares são sempre os mesmos, exceptuando umas trocas, de vez em quando, para baralhar. Todos esses dançarinos têm um cartão ao peito onde está inscrito o seu nome em letras bem visíveis (gostam que se saiba). As cores são diferentes, mas nem por isso a variedade é muita. Há os que dançam e há os que observam, ansiando pela sua vez e refilando sempre muito e muito alto.

A música não é de boa qualidade mas como os bailarinos são medíocres, tal não lhes parece fazer diferença.

No salão está sempre presente um mestre-sala ou de cerimónias escolhido de quando em quando pelos pares, que não percebe nada do assunto e por diversas vezes já fez estragos consideráveis. Escolhe mal as músicas, namorisca com os dançarinos, manda parar tudo a meio de uma polca, quer ir para o centro da sala e tropeça nos pares, enfim, nada recomendável.

O salão de baile é magnífico, cheio de tradição, com algumas paredes pintadas em trompe-l’oeil, espelhos, lustres e janelas enormes, de um lado a dar para o jardim, do outro para o mar, mas está cada vez mais délabré por causa de vandalismos (estes dançarinos são mesmo uma nódoa e vingam-se) e pela falta de manutenção. Andaram a gastar dinheiro em anexos dispensáveis como piscinas e rotundas nos acessos e esqueceram o principal.

Remetidos para a sala ao lado ou nos jardins estão todos os que não têm cartão colorido. Só estão autorizados a ver as danças de longe. De quando em vez lá aparece um dos dançarinos que acena e diz umas palavras bonitas escritas em papel couché.

- Alto e pára o baile! apetece-nos dizer.

Agora, aquela coisa a que chamam acordo ortográfico transformaria a frase em alto e para o baile, o que significaria coisa diversa. Não me parece. Queremos mesmo que o baile pare. Acabem com essa dança privada e devastadora. Parem de estragar mais o salão. 

E agora, deixem-me fazer a mala. Vou de fim-de-semana ao campo apanhar ar puro. É que neste salão a atmosfera está irrespirável.

Leonor Martins de Carvalho