sexta-feira, 12 de julho de 2013

CARTEIRA DE SENHORA

DIA 75
Surpresa total! A carteira, em vez de um papelinho rabiscado com indicação do tema, deixou uma folha A4 dobrada várias vezes (muito mal dobrada por sinal, herança não genética mas por osmose desta sua proprietária).
A medo mas curiosa, desdobrei aquele quase embrulho e deparei-me com a seguinte missiva, escrita em letras garrafais e palavras rasuradas em desnorteio mas felizmente em português sem aberrações ortográficas:
Querida dona, 
(nunca consegui que me tratasse pelo nome, gosta de manter a distância)
Peço desculpa de não ter feito um pré-aviso, mas acabei de tomar a decisão de partir. 
(aqui parei e temi pelo meu posto de trabalho, mas lá arranjei forças para continuar)
Este vosso país consegue pôr-me os nervos em franja, mais ainda que a minha própria pátria. Não aguento. Estou tonta com tantas danças e contradanças, recuos (nunca avanços) e amuos, descontrolo total de governação, personagens sinistras fora da prisão, análises irreais, discursos surreais.
(como era neste parágrafo que se concentravam a maior parte das rasuras, penso que se foi arrependendo de algumas palavras porventura menos polidas)
É o país mais estranho em que vivi. A verdade não parece interessar a ninguém e a soberania muito menos. 
Vou-me embora. Regresso à bela nação das carteiras numa mala de cartão. É irrevogável, mas ainda volto. O tempo de respirar ar saudável, mergulhar na tradição e abraçar as conterrâneas honestas.
A sempre sua,
Carteira de senhora.
Traduzindo a linguagem política que usou, percebi que com sorte a estada durará uma semana. Estão proibidos de lhe contar que suspirei de alívio. Já não sobrevivo sem esta carteira, mesmo vazia.
Leonor Martins de Carvalho