sexta-feira, 21 de junho de 2013

CARTEIRA DE SENHORA

DIA 72

Pergunta-me a carteira se já falou do tempo, querendo com isso dizer clima. A memória não é o meu forte, exceptuando para números, e não lhe sei responder. Guardo as crónicas apenas com a referência ao dia, tal e qual como está aqui, sem qualquer subtítulo. Como não é minha intenção ler as outras setenta e uma, por variadas razões e muito menos por esta, tenham paciência se me vou repetir. O propósito da carteira tanto pode ser desviar as atenções do essencial, e este é o tema mais apropriado desde há muitos séculos para essa função, como apenas demonstrar a sua exímia qualidade de carteira de senhora.

Aliás, porque não falar do tempo se até um governante acha apropriado invocar as condições meteorológicas para justificar a queda no investimento? 

Um estereótipo associado aos ingleses é que estes adoram falar do tempo, afinal um óptimo quebra-gelo para uma conversa, mas, na verdade, o mesmo acontece connosco. No entanto, na ilha de onde são naturais, geralmente os ingleses não têm muita sorte com o dito, vigiando ansiosos o anticiclone dos Açores, e o tempo é, por isso, razão de queixa perfeitamente natural e compreensível. Ora nós, que, comparativamente, até temos um clima maravilhoso (dizem eles!), que fazemos, digam lá? Queixamo-nos, homessa!
 
É raríssimo ouvir a alguém: - Mas que lindo dia! É que quando está mesmo um tempo esplêndido, socorremo-nos a comentar o horror do dia anterior ou a previsão aterradora da semana que vem. 

Verdade seja dita que com um lindo dia a conversa não desenvolve, concorda-se, fica por ali e lá se perde a oportunidade para outro tema mais interessante. Nada mais estimulante que chuva batida a vento, massas de ar vindas dos Pólos ou do deserto do Sara, ventos ciclónicos, neve e granizo. Pelos exemplos dramáticos que queremos dar, permite a transição suave para cidades que se visitaram, a terra onde se nasceu, até à descoberta de um parentesco qualquer com a pessoa que acabámos de conhecer e caímos nos seus braços com a intimidade acabada de construir.
 
Pela primeira vez sei agora sobre o que vou falar na próxima semana. É o que faz falar do tempo.
 
Leonor Martins de Carvalho