segunda-feira, 3 de junho de 2013

CADERNOS INTERATLÂNTICOS (19)

Um antigo compromisso obrigou-me a mergulhar na historieta mal-cheirosa da abrilada cravícola, algo que prefiro manter nas valetas do esquecimento. Mas lá fui eu, a topar com MFAs, anti-fascismos, amanhãs que cantam, (des)constituição a caminho do socialismo, sanguinolentas entregas africanas e, naturalmente, com a canalha de costume: criminosos, patifes sem-vergonha e idiotas de variada extracção. Foi então que lembrei do Rivarol e do seu magnífico Petit Dictionnaire des grands hommes de la Révolution. Em muitos casos basta substituir os nomes correspondentes às entradas e o resto encaixa como luva em muitos dos "nossos" abrileiros.

Por exemplo:

La Poule:
Poucos grandes homens ascenderam com tanta naturalidade [...]. A que se deve a sua ascenção? À sua baixeza.

Mirabeau (Conde de):
Este grande homem compreendeu muito cedo que a menor virtude poderia detê-lo no caminho da glória, e, até ao dia de hoje não permitiu-se nenhuma.

[...] é capaz de tudo por dinheiro, até de uma boa acção.

[...] é o homem que mais se assemelha à sua reputação: é horrível.

Agora digam lá: não é que o descolonizador exemplar, multi-doutor honorário, globetrotter e milionário pode enfiar os barretes do La Poule e do Mirabeau?

Liancourt (Duque de):
[soube acomodar-se com todos]
Um êxito tão universal é sumamente raro, e que exige um homem de uma mediocridade insuperável.

Dubois:
Soldado raso na Guarda Francesa, mas desertor imortal.

Deixo os dois barretes acima ao critério dos amáveis leitores (a escolha é fartíssima...)

Mas o languedoquiano contra-revolucionário ainda dedica uns mimos ao palratório democrático...

Assembleia Nacional:
Neste augusto areópago é onde temos visto brotar génios que, sem a Assembleia, seriam ainda dejectos da sociedade [...].

Imagina-se hoje que um homem é um parvo, porque carece de elegância, fala mal de qualquer tema, suas próprias ideias o confundem, e a razão aniquila-se na sua boca. A experiência destrói todos os dias esse horrendo preconceito. Se esse mesmo
homem está realmente marcado com a chancela da mediocridade, logra pelo menos uma espécie de fama [...], eis aqui o que caracteriza todos os grandes homens da revolução.

Fica, pois, a sugestão para uma versão luso-abrilina do Dictionnaire. Como se pode ajuizar, não será trabalho de monta - apenas uma adaptação.

Até para a semana.

Marcos Pinho de Escobar