segunda-feira, 13 de maio de 2013

CADERNOS INTERATLÂNTICOS (16)

Quando o governo francês – democratérrimo, republicaníssimo, símbolo máximo da trilogia de 1789 – resolve ignorar o resultado do plebiscito de Setembro de 1958 e abandona as populações da Argélia às mãos dos terroristas do FNL, houve quem ousou dizer não à traição e ao abandono (recorde-se o giro de cento e oitenta graus executado pelo mesmo de Gaulle dos “vivas” à Argélia francesa). Um destes franceses dignos do nome foi o General Raoul Salan. Brilhante militar, com o peito coberto por condecorações e uma invejável folha de serviços repleta de menções elogiosas, recusou-se a assistir passivamente à amputação da Argélia francesa, onde várias gerações de europeus e muçulmanos mourejaram na construção da pátria comum. Entre ser cúmplice de de Gaulle no martírio da Argélia, Salan prefere ficar do lado das populações e da pátria que havia jurado defender. Contra a traição e o abandono opta por entrar na luta clandestina ao comando da OAS – Organisation de l’Armée Secrète. Começam os ajustes de contas e à violência levada a cabo pelo governo, decidido a apoiar os terroristas assassinos de quem era fiel à França, a OAS responde com a mesma violência. De Gaulle, alvo primordial, consegue escapar ileso a um espectacular e cinematográfico règlement de comptes. Nas próprias palavras de Salan, a violência exercida pelo grupo que chefiou foi a resposta ao pior tipo de violência que pode existir e que consiste em “arrancar” a nacionalidade àqueles que recusam perdê-la. Em Abril de 1962, após um ano na clandestinidade, Salan é preso e, no mês seguinte, é condenado à prisão perpétua. Em Junho de 1968 é libertado graças a um indulto do próprio de Gaulle.

Como é possível que após meio milénio de Portugal euro-ultramarino não tenha surgido nenhum Salan, nenhuma OAS, para tentar evitar a hecatombe que sobre nós se abateu e nos destroçou para todo o sempre? Como pode ser que não haja surgido ninguém disposto a ajustar contas com os responsáveis pela traição que esfacelou Portugal e atirou milhões de pessoas à morte e à miséria? Pelo contrário: os traidores, os delinquentes e os patifes de toda ordem vêm sendo ouvidos, respeitados e premiados há trinta e nove anos. A que ponto pode chegar a descomposição generalizada de um povo, de uma vontade nacional!

Até para a semana.

Marcos Pinho de Escobar