sexta-feira, 5 de abril de 2013

CARTEIRA DE SENHORA


DIA 61

A carteira passou as férias de Páscoa numa ânsia tal que já ninguém lhe queria pegar. Quis por força voltar às redes sociais porque ficou entusiasmada com a introdução e quer ter mais dados sobre o assunto, não vá de repente decidir mergulhar na onda virtual.

Tenho de lhe explicar que é como se estivéssemos numa sala imensa, cheia de gente, mais conhecida, menos conhecida, assim-assim ou até desconhecida, mas onde cada um pensa que está numa salinha de ambiente intimista em amena cavaqueira apenas com uns poucos.

O Facebook, para além daqueles deslizes típicos de um americano a tentar falar português, confundindo a torto e a direito o género e a conjugação verbal, parece que está a querer aderir ao desacordo ortográfico. Podemos por isso encontrar expressões como “registo de atividade”, “localização atual” e “atualizar informação”. Vou ter mesmo de tomar medidas extremas e explicar aos senhores que no meu mural, tal como em casa, não admito desacordos nem ortografias delirantes.

Para que se escreva qualquer coisa naquilo a que chamam mural, o Facebook ataca-nos com a já célebre pergunta: Em que é que estás a pensar? Trata-nos por tu, o insolente. A fazer-se de íntimo para ver se lhe abrimos o coração. A certa altura já ninguém lê a pergunta, nem se lembra que lá está e vai directa ao assunto do momento.

Aqui há tempos, em Dezembro do ano passado, mais precisamente, apostou na inovação e alternava quatro perguntas, incluindo sempre o nosso nome para personalizar a coisa, procurando dialogar connosco e tornar a conversa ainda mais íntima: Como te sentes, Leonor? Como está tudo? Como estás? O que está a acontecer?

Não sei o que se passou noutros países, mas em Portugal a troça foi tanta, a inovação foi tão enxovalhada que rapidamente desapareceu a tentativa de conversa e endireitaram caminho com a pergunta inicial.

Para além de permitir fotografias e vídeos, aparece também a opção “eventos da vida”, uma espécie de lista prévia de produtos à sua escolha. Dirigida especialmente aos preguiçosos, prevê acontecimentos tão importantes da nossa vida como a publicação de um livro, um animal de estimação novo, ossos partidos, deixar um vício, fazer uma tatuagem, o primeiro beijo ou a primeira palavra (esta se levada à letra punha bebés na rede social…), o fim de uma relação e passar a usar óculos. Tudo coisas que interessam imensíssimo. Só descobri esta opção outro dia mas nunca vi ninguém a usá-la, o que é bom sinal. Dispensam frases pré-cozinhadas. Ainda pensam, divulgam apenas o que querem e usam as suas próprias palavras.

Desde que se faculte a data de nascimento, uma das novidades das redes sociais foi de repente termos um dia de anos cheio de parabéns de todas as cores e feitios. De meia dúzia de pessoas que sabiam de cor ou tinham anotado a data, passámos a uma grande festa de anos. Não tenho ouvido queixas. E os nossos amigos continuam a telefonar-nos.

Contudo, há quem não indique qualquer data de nascimento ou quem a dê incompleta. O dia e o mês, ainda vá, mas lá o ano… Um dia, quando ainda tinha poucos amigos no Facebook, e por ter destas curiosidades insanas, resolvi estudar profundamente o assunto e separei por sexo todos os que não diziam o ano de nascimento. Depois da trabalheira tive o castigo merecido. Afinal esta é uma faceta comum a homens e mulheres e as variadas razões de assim proceder também o serão.

Pode ser que a carteira me dê folga destas análises virtuais por uns tempos. Começam a parecer as obras de Santa Engrácia.

Leonor Martins de Carvalho