segunda-feira, 4 de março de 2013

CADERNOS INTERATLÂNTICOS (6)


A Grande Traição é o título das memórias publicadas em 1997 por Ian Smith, último primeiro-ministro da Rodésia. Autobiográfica, a obra oferece uma interessante panorâmica da história desta importante parte da África austral e relata minuciosamente como os nossos “amigos” britânicos e estado-unidenses não descansaram enquanto este pedaço de terra não foi finalmente lançado ao seu calvário particular. Paz, tempo, lei e ordem – factores fundamentais para qualquer evolução autêntica e segura – foram sacrificados em favor da hipocrisia, da irresponsabilidade, da expediência.

Cumpre referir que o texto já se dirigia ao prelo quando a editora, uma das grandes na cena internacional, decidiu suspender a sua publicação, exigindo de Smith que eliminasse os adjectivos de “terroristas” e “assassinos” com os quais qualificava o bando marxista do sinistro Robert Mugabe. Smith prontamente recusou este estelionato histórico e foi com o seu manuscrito à procura de outra editora: jamais poderia referir-se a assassinos, bombistas e estupradores de outra forma.

Seria desnecessário afirmar que A Grande Traição interessa particularmente aos portugueses, euro-africanos genuínos e pioneiros, escandalosamente imolados e esbulhados pela traição doméstica a soldo de uma conspiração internacional - tragédia odiosa que há um quarto de século brada aos céus e clama por justiça!



Logo à partida cumpre ressaltar as páginas elogiosas que Ian Smith dedica a Salazar e a Portugal. Rende sincera homenagem à nação euro-ultramarina que, com a nobreza da simplicidade e a força do carácter, cumpria a sua missão histórica de povo, defendendo com determinação os seus legítimos direitos e interesses perante os fortes do mundo. E reafirma a sua profunda admiração por Salazar, estadista excepcional, cuja craveira intelectual e moral deixaram em Smith uma impressão única e indelével.



Como muitos rodesianos da sua geração, Smith interrompe os estudos universitários e, deixando para trás o sossego do torrão natal, alista-se nas forças britânicas e abala para a Inglaterra. Piloto da Real Força Aérea, combate nos céus europeus até ser ferido gravemente num acidente com o seu Hurricane em 1943. Restabelecido, reintegra-se no seu esquadrão e prossegue a luta até ser abatido sobre território italiano em Junho de 1944. Junta-se aos partisans italianos até escapar para a França, atravessando a pé – e só com as meias! – os gelados Alpes Marítimos. Em 1945, após uma passagem pela Alemanha, Smith regressa a casa para completar os estudos e dedicar-se à agro-pecuária. Em 1948 ingressa na política.



Irrompe a década de sessenta e dos pulmões dos vencedores de Ialta sopra o bafio velhaco dos “ventos da mudança”, a mascarar o verdadeiro objectivo de expulsar os europeus dos continentes africano e asiático. A Grã-Bretanha, alegremente empenhada na sua demissão histórica, anuncia a dissolução da Federação das Rodésias e do Niassalândia com vista à formação de Estados “independentes” governados por maioria negra. Smith é o único do seu partido a manifestar oficialmente a sua desconfiança em relação à proposta explicitada por Londres. Para ele, a Inglaterra, no afã de obter a simpatia de afro-asiáticos, estado-unidenses e soviéticos, estaria disposta a liquidar o seu “problema colonial” com o abandono puro e simples da população branca – os mesmos indivíduos que no conflito mundial de 39-45 deixaram a paz dos seus lares para irem arriscar as próprias vidas no socorro à Grã-Bretanha.



Em 1964 Ian Smith é eleito primeiro-ministro. Numa visita oficial a Lisboa encontra-se demoradamente com Salazar e este diz-lhe de chofre que os rodesianos seriam traídos pelos ingleses; e acrescenta que Portugal prestaria o auxílio necessário a Salisbúria. Pouco depois, aqueles a quem Fialho de Almeida chamou de “carrascos ruivos do Tamisa”, concretizavam o que o estadista português sentenciara. E a lembrança deste encontro profético com o asceta de São Bento ficou para sempre gravada na memória de Smith; que até ao dia de hoje mostra-se convencido de que, se Salazar tivesse vivido dez anos mais, a Rodésia teria sobrevivido.



Em 1965, na sequência de demoradas e infrutíferas negociações com o governo britânico – que insistia em não cumprir o que havia sido acordado, além de superar-se a si próprio na arte da velhacaria –, Smith declara a independência da Rodésia. Sua vida política passa então a reger-se quase que exclusivamente por duas constantes: a neutralização dos efeitos das sanções impostas pela ONU, sob a batuta de Londres e Washington; e o combate ao terrorismo e à guerrilha de obediência comunista que faziam a sua desumana entrée no território.



De 1965 a 1979 Smith e a sua Frente Rodesiana – sucessivamente reconduzidos ao governo – mourejaram para levar o novo país na trilha do progresso, enquanto negociavam com os líderes negros contrários ao uso da violência, as fórmulas prudentes e justas para, um dia, transferir as estruturas governamentais a uma maioria negra. Em 1979, o bispo Abel Muzorewa torna-se chefe do governo e constitui a primeira administração bi-racial. Entretanto, para os polícias planetários, um governo responsável composto por brancos e negros não tem serventia, uma vez que o que realmente pretendem é abrir caminho aos terroristas, até então afastados do processo do sistema oficial. As pressões internacionais e a campanha de terror intensificam-se: Londres e Washington exigem a inclusão do marxista Mugabe e de seus bandoleiros no famigerado “processo político”. Os primeiros sinais de fadiga começam a ser notados: é a velha tentação de sucumbir às pressões externas e reger-se por cartilha estranha em troca da supressão dos sacrifícios necessários. O governo de Muzorewa não logra durar muito e novas eleições são convocadas, desta vez com total liberdade de acção para o bando terrorista de Mugabe e, naturalmente, o beneplácito dos areópagos internacionais. A intimidação mais atrevida, o terror sem peias e a utilização dos expedientes mais cavilosos para baralhar o escrutínio, possibilitam a vitória aritmética dos marxistas. Acto contínuo as sanções internacionais são levantadas e a Inglaterra outorga a imediata independência à Rodésia, que já amanhece como o marxista Zimbabué – atitude que demonstra de maneira indesmentível as intenções verdadeiras e originais dos ingleses. Caía o pano: completava-se a grande traição. Mugabe, apaparicado pelos senhores do globo, não tarda em implantar a sua ditadura de partido único através da perseguição, intimidação e eliminação física de opositores. O alvo preferido é a população branca e os negros que não “aderiram” prontamente à “revolução”. Um território outrora pacífico e em franco desenvolvimento é transformado num espaço de opressão e violência, corrupção e ruína económica.



Ian Smith termina o livro recordando às consciências mundiais que estas esqueceram-se de advertir que o tão propalado princípio de “um homem – um voto” seria aplicado em África… apenas uma vez!



A repetição da barbárie a que assistimos nesta terra martirizada é apenas a continuação da actividade terrorista iniciada em meados dos anos sessenta e que culminou, em 1980, com a tomada do poder pela cáfila de assassinos liderados por Mugabe. Não há ilusões nem surpresas. É mais um capítulo do terrorismo de Estado então implantado sob a chancela dos que se arrogavam a qualidade de porta-vozes da “comunidade internacional”.



A verdade é que os arautos dos “direitos humanos” e da “autodeterminação”, se condenavam a acção colonizadora euro-ultramarina, acocoram-se perante as mais violentas e corruptas ditaduras africanas – aquelas que eliminam fisicamente a oposição, “governam” as populações a tiro ou à fome, levam à ruína os mosaicos tribais irresponsavelmente armados em países, enquanto acumulam fortunas nababescas nos offshores financeiros e adquirem sumptuosos palácios na Europa.

Padecer sob a pata comunista nunca proporcionou o direito a muita indignação ou a uma grande audiência. Ademais, uma boa limpeza étnica, desde que feita por pretos contra brancos, é sempre vista com os olhos húmidos de compreensão.



A farsada que constitui a obra-prima da ONU e dos senhores deste planeta vai, desgraçadamente, continuar em cartaz na terra africana encharcada com o sangue dos inocentes. Eis as excelsas realizações dos arrojados descolonizadores – “exemplares”, com certeza. E nós, comprados a retalho pelo MPLA com o dinheiro que nos foi roubado, sabemos muito bem do que se trata.

Até para a semana.

Marcos Pinho de Escobar