sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

CARTEIRA DE SENHORA


DIA 54

O já célebre papelinho com o tema da semana, que a carteira me faz o favor de autorizar que encontre algures no seu bojudo seio, tem sempre uma morte em beleza muito contemporânea, numa instituição chamada ecoponto, que lhe permite ser uma espécie de Fénix. Renascerá papel. Mais grosso, mais áspero, mais acastanhado, mas papel.

Esta sociedade consumista quer aliviar consciências e em vez de tentar alterar hábitos, promete recolher os abusos e transformá-los, criando assim uma indústria que se alimenta do desperdício.

Não acho mal, diga-se, mas melhor seria que primeiro tentasse reduzir o desperdício à partida, nomeadamente com a antiga mas eficiente solução das embalagens retornáveis ou então com utilização de embalagens menos poluentes. Os fabricantes dessas embalagens poderiam sempre, eles sim, reciclar-se…

O extraordinário foi terem conseguido convencer as pessoas a fazer, voluntariamente, parte do trabalho necessário à indústria: a separação. Isto é que é marketing!

Civilizar as pessoas ainda é tarefa difícil. Podem ser educadíssimas, mas no que respeita a lixo, o pensamento é único: tirá-lo de casa o mais depressa possível. Depois de o despejarem seja em que sítio for, da maneira mais incivilizada possível, nem pensam mais no assunto. Desde que não esteja em casa… E não se pense precipitadamente que são os jovens os culpados do desleixo. É mesmo transversal, a imundície.

Assim, os ecopontos tricolores nunca estão sós. Volta e meia acompanham-nos os chamados monstros: fogões ou frigoríficos, armários, cadeirões, ferros retorcidos de que não conseguimos adivinhar o formato original. Na outra meia volta estão sacos de lixo normal, que cães com e sem dono focinham e esfarrapam espalhando o conteúdo em redor. Muitos ainda têm por companhia as embalagens com comida e água com que boas almas alimentam os animais vadios.

Pelos vistos ainda servia de pouco a separação voluntária e assim, nalguns bairros, deixaram na rua um só dos elementos do trio, passando a fazer-se recolha selectiva porta-a-porta, coisa muito organizadinha, em dias alternados. O ecoponto que restou, o vidrão, continua a ter companhia. Mas se não fosse ele era a árvore mais próxima.

Agora cada prédio tem o seu mini-ecoponto e os problemas de fora saltaram para dentro, com a agravante de não ser ao ar livre. Há quem não se preocupe minimamente e ponha lixo normal nos caixotes de tampa amarela ou azul. Em casa é que não fica! O cheiro às vezes é insuportável. Nem vale a pena perguntar. Ninguém vai confessar, claro.

Teria sido simpático a Câmara, em equipa com as Juntas de Freguesia, ter feito uma campanha nos bairros, ensinando, especialmente os mais velhos, a separar o lixo. Os condóminos mais experientes nestas andanças de recicláveis também podiam oferecer-se para explicações ao domicílio nos primeiros tempos.

Da separação do lixo e da reciclagem resultam novos produtos. Duvido que isto seja aplicável aos políticos que nos desgovernam há anos demais. Estão mais próximos da categoria lixo indiferenciado, próprio apenas para ser enterrado. Longe da vista e do olfacto. Recolha às terças, quintas e sábados.

Leonor Martins de Carvalho