sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

CARTEIRA DE SENHORA


DIA 56

A carteira, emigrada neste país (teve azar!), pretende intrometer-se e opinar sobre todos os nossos assuntos, especialmente os do momento, na ânsia de se mostrar activa e bem integrada no seu país de acolhimento. Ela que me perdoe, mas o equilíbrio é imprescindível à sanidade mental. Quanto mais revolta e desânimo sinto, maior a necessidade de contrabalançar com temas ao lado.

Já aqui apresentei um pouco da história recente do país das carteiras de senhora (vide dia 38). Faltou caracterizar aquela sociedade, pelo menos como era antes da sua descida aos infernos.

Este célebre país, herdeiro directo das grandes tradições do Reino das cestas e cabazes, é quase uma réplica do país das malas, mas sofreu bastas influências dos países dos sacos e das mochilas. Assim nasceram muitos dos estrangeirismos introduzidos na língua. Ressalte-se que nunca ao longo da sua História estes países tão próximos pensaram em celebrar acordos ortográficos.

O país dos porta-moedas, embora de pequena dimensão e inserido geograficamente no país das carteiras de senhora, constitui região autónoma. Devido à sua capacidade financeira tem um imenso poder, pelo que os Ministros das Finanças do país das carteiras são sempre daí originários.

Naturalmente, o país das carteiras de senhora, para além de características comuns às de países próximos, tem ainda características próprias, pelo que não é uma sociedade tão linear quanto se poderia pensar.

A primeira estratificação acontece à nascença e é simples, tendo a ver com o seu tamanho. Podem assim ser grandes, médias e pequenas. A simplicidade estende-se ao formato, que, com raras excepções, se limita ao quadrangular e ao redondo. Se tivermos em conta os seus membros superiores (já que não possuem inferiores), a divisão mantém-se simples: duas asas, só uma ou nenhuma, com a particularidade de nenhuma carteira voar, nem mesmo as aladas. Só o conteúdo tem essa característica e nos momentos menos adequados.

A distinção que teve grande importância social no passado baseia-se na matéria-prima. Há materiais muito variados, desde o plástico (o que proporciona menor esperança de vida) até ao cabedal, não esquecendo o tecido, o verniz e a camurça.

Na divisão seguinte a confusão é total. Em cada tamanho, formato ou material podem ser encontradas todas as cores. Não só as primárias. Não, isso não chega para uma carteira de senhora. Tem de haver carteiras com cores secundárias, terciárias e por aí adiante, admitindo-se até a coexistência pacífica de várias. Reside aqui uma diferença para o país das malas, que é bem mais sóbrio. Daí que consiga ter a dívida mais controlada, mas convenhamos que é cinzentão e triste.

Só que as aparências iludem. Tudo isto são as carapaças, é o recheio que conta. O conteúdo é a alma da carteira. Embora existam carteiras algo (não muito) organizadas, a esmagadora maioria é adepta do caos. Mas o caos não é um qualquer. Cada uma tem direito ao seu. O seu caos único.

Finalmente, a influência da região autónoma dos porta-moedas é tal, que reduz qualquer carteira a três estados durante a sua vida: recheadas, meio cheias e vazias. Neste momento quase todas se encontram no terceiro.

Noutra semana de revolta e desânimo ainda voltarei a este curioso país. Parece que não tarda.

Leonor Martins de Carvalho