sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

CARTEIRA DE SENHORA


DIA 45

Perdeu-se nela própria, a carteira. Garantiu-me ter um tema escolhido mas não o encontra. Só estranho tal não ter acontecido há mais tempo. Afinal carteira de senhora que não perca qualquer coisa não é carteira de senhora. Às vezes nem despejando todo o seu conteúdo se encontra o procurado.

Ainda bem porque assim tenho direito ao tema alternativo, que é sobre o meu objecto preferido. Mas serão os livros objectos? Parece quase ofensivo. Porventura podem comparar-se livros com garfos, mesas ou computadores? Os livros não encaixam numa qualquer definição de objecto. Fazem-nos muito mais companhia do que certas pessoas, somos fiéis a alguns até à morte, levamo-los para todos os sítios, dormimos a seu lado, sonhamos com eles.

Deviam ter uma classificação especial: família humana, género palavra, espécie literária, subespécie indispensável.

Claro que há quem, sabendo ler, afirme só ler livros “técnicos” (garanto que ouvi esta), ou os que nem os tais técnicos lêem, nem sequer manuais de instruções. Talvez condescendam nas “gordas” dos jornais…

Outros dizem ler mas afinal entendem os livros como meras peças decorativas numa pequena estante na sala ou a rodear a lareira.

Todos estes não fazem nenhuma ideia do que perdem. Não conhecem a beleza daquele mundo, o mundo da palavra escrita. Podia dizer que alguns não o merecerão mas seria injusta. Não pode ser verdade.

Os livros são como casas de outros. Entramos, passeamos na sala, nos quartos, pomo-nos à janela a ver a vista ou descobrimos o baú misterioso no sótão. Podemos sentir-nos imediatamente em casa, adoptá-la, ou nem querermos ouvir mais falar dela, fugindo a sete pés e batendo com a porta.

Gostamos do cheiro a livro novo e do cheiro de livros antigos. Gostamos de os tocar, acariciar, abrir, folhear e ler ao acaso. Gostamos de ver as marcas deixadas por antigos donos, os seus sublinhados, os comentários.

Gostamos de os organizar, ter fichas para cada um, ou simplesmente deixá-los ao acaso permitindo inesperadas descobertas.

Gostamos de os olhar lembrando a história de cada um, de como escolhemos precisamente aquele de entre todos os outros.

Gostamos de os namorar. Tem mesmo de haver namoro. Afinal vamos levá-los para a nossa intimidade.

Deixamo-los invadir o nosso espaço como não deixamos mais ninguém. Se acaba o espaço nas estantes, após o recurso às segundas filas e ocupados todos os outros buracos em cima, começam os montes, espalhados por onde a casa permitir. Pudéssemos nós ter tempo e dinheiro para todos os que sonhamos e não chegariam nem um prédio inteiro nem uma vida inteira.

Não vivemos sem livros. É impossível viver sem livros. Não quero viver sem livros. Não é viver.

Leonor Martins de Carvalho