sexta-feira, 2 de novembro de 2012

CARTEIRA DE SENHORA


DIA 40

Como a carteira ainda anda a meditar na próxima fábula, que prevejo esteja pronta lá para a quadringentésima trigésima quinta crónica, achou por bem que esta, a quase redonda quadragésima, pudesse espelhar o que vai na alma de muitos e ao mesmo tempo a despertasse.

Uma amiga grega perguntou-me como é que estávamos. Disse-lhe que, como eles, éramos resistentes, que haveríamos de sobreviver. Nós e eles.

A verdade é que se não nos deixam sair, a nós e a eles, deste poço sem fundo, se persistem em atar-nos com cabos de aço, e ainda se aproveitam da situação económica para, em chantagem de baixo nível, brincarem ainda mais com os países e suas soberanias invocando falsamente que é o caminho da salvação, as certezas tremem.

Entretanto, nunca o provérbio “paga o justo pelo pecador” foi tão intensamente aplicado como em Portugal e provavelmente também na Grécia.

E quem foram os pecadores? Todos, como ainda insistem em afirmar? Vista por uma pessoa comum a história é simples e aponta o dedo a vários.

Em primeiro lugar a classe política que nos meteu na Europa e no euro a trouxe-mouxe sem ligar a soberania, tradições e mesmo à economia, colaborou na destruição sem apelo nem agravo da produção nacional, pudesse ou não vir a ser competitiva e depois gastou à tripa-forra naquilo a que chamaram investimentos em prol do desenvolvimento mas que foi mais desenvolvimento de bolsos e carreiras profissionais.

Em segundo lugar alguns dos que receberam fundos europeus apenas para os esbanjar e cuja ganância os qualifica.

Em terceiro, mais uns tantos que, na ilusão vendida todos os dias pelos bancos e por esta sociedade, se endividaram até “mais do que permitia a força humana”…

Sei que os reformados não foram com certeza, e estão a arcar como se fossem os culpados.

Mesmo quando ainda poucos viam que a dívida até ia nua e por maioria de razão hoje ainda mais, trataram de nos vender e escravizar, comem-nos a carne e os ossos e agora querem acabar connosco de vez.

Algures deve estar um cartaz onde os sucessivos governos escreveram “Portugal em saldo”. A leiloeira começou as licitações. Teremos (já vamos tendo!) um país retalhado, pertença de outros.

Não estou a escrever nada de novo. Este é o género de textos que aparece diariamente. A revolta, o sentimento de impotência já se estendeu a Portugal inteiro, e só lemos desabafos, gritos, angústia, revolta, uma verdadeira catarse nacional.

Ou continuamos com a angústia e revolta permanente ou vamos à lide e pegamos o touro. Em nome dos que já nem forças têm…

Independentemente do que possamos fazer no campo social é sobretudo na política e na forma de fazer política que temos de arranjar solução. Para que isto não volte a acontecer.

Façam o favor de pensar. Pensar no que podem fazer para que algo mude em Portugal. Que cada um procure o que achar mais útil para que essa mudança aconteça. Se não se sentem representados lutem para que isso se altere. Pode ser por exemplo encontrar pessoas idóneas que se possam candidatar nas autárquicas contra os oligarcas do costume, assinar e divulgar petições que pugnem por mudanças na lei eleitoral, organizar e participar em debates, escrever para e nos jornais, comentar nos meios de comunicação, voltar a falar com vizinhos e amigos para criar e participar em grupos que possam servir de pressão, seja o que for, mas sair de casa. Sobretudo largar a Internet, a televisão, deixar a casa quente e ir para o terreno.

Chegou a hora de voltarmos a ser heróis que “por obras valerosas se vão da lei da morte libertando”. Que de nós se orgulhem os vindouros.

Leonor Martins de Carvalho