sexta-feira, 21 de setembro de 2012

CARTEIRA DE SENHORA


DIA 34

Desde que veio de férias a carteira está impossível de aturar. Parece que faz de propósito e, ou armada em carnavalesca me atira centenas de papelinhos com temas estapafúrdios do género “De como pôr a tampa na panela faz ferver a água mais depressa”, ou esconde de tal maneira o tema no seu fundo sem fundo que não o encontro. Ainda sorri, a malvada.

Do contra. A carteira está decididamente do contra, a remar contra a maré e a andar em contraciclo. Numa semana politicamente agitada não quer falar de política, quer falar de restaurantes.

Em Portugal é caso para dizer que qualquer um abre um restaurante. Se num bairro vai acabando o comércio tradicional, se fecha a padaria ou a loja de ferragens, nem é preciso fazer apostas quanto ao negócio que se segue. Pela certa um restaurante ou um qualquer negócio que gire à volta de comida.

Parece que o sonho de cada português desde pequenino não é afinal ser bombeiro ou astronauta. Não. É ser pomposamente empresário da restauração e hotelaria. Nem que seja só de um tasco para tirar cafés e servir bolinhos ou para penáltis e pastéis de bacalhau.

Em muitos bairros já há quase tantos estabelecimentos de comida e bebida quantos os prédios desse bairro. É porta sim, porta sim. Só a crise tem alterado esta situação.

Aliás, é também o negócio preferido dos portugueses emigrantes, tornando-se refúgio e sítio de convívio dos que moram longe à volta dos sabores que não se esquecem e do café a sério.

Só que a boa vontade não chega e o que por aí há mais é empresários que não o são e restaurantes que nunca o foram.

Por conhecermos as excepções, os que primam pela qualidade na comida e no serviço, e isso nada tem a ver com o preço, tamanho ou decoração, sabemos que prolifera o medíocre. Especialmente aqueles que são incapazes de pedir desculpa e que não aceitam de forma alguma uma queixa ou uma reclamação mesmo que seja queixazinha ou reclamaçãozinha: “Não pode ser, as couves foram compradas hoje” ou “O vinho não está nada passado é de óptima qualidade”.

Ou os que têm ementa para turistas com preços diferentes. Ou os que sem vocação tratam os clientes como um encargo dispensável rapidamente desde que deixem o dinheiro.

Mas os clientes portugueses não estão isentos de idiossincrasias. Por exemplo, mesmo que no estabelecimento existam mesas para duas pessoas, uma pessoa sozinha ou em par vai se sentar invariavelmente numa mesa para quatro. Ou se no meio de cinquenta mesas limpas e preparadas há uma ainda por levantar, é essa a escolhida.

Outro desporto nacional é alterar ingredientes ou acompanhamentos: se são batatas, querem arroz ou vice-versa, acrescentam ou tiram salada e ainda escolhem os respectivos componentes, eliminam o molho, convertem o frito em grelhado… No fim, o prato devia era merecer outra entrada na ementa.

Já vos disse que um dos sonhos da carteira é abrir uma casa de petiscos? Pois. Não será diferente dos outros portugueses. “Os petiscos da carteira”. Em crise até pode ser que se safe, só duvido da vocação para empresária, cozinheira ou relações públicas. Mas teima.

Leonor Martins de Carvalho