sexta-feira, 3 de agosto de 2012

CARTEIRA DE SENHORA


DIA 27

Passada a ressaca do campeonato europeu de futebol em que Portugal esteve a milímetros e acabou saindo por uma porta grande deixando-nos bem orgulhosos, e em plena época de Jogos Olímpicos, quis a carteira voltar ao futebol e ao desporto, desta vez para um olhar crítico sobre como vêem os portugueses as suas selecções e os seus atletas em geral.

A propósito do campeonato, ouvi uns que, fingindo desinteresse e querendo mostrar superioridade sem saber bem como, faziam afirmações do género: “Não sou lá muito nacionalista”. Não se percebe bem do que estão a falar, se de patriotismo, se de nacionalismo ou se de outro conceito congénere. Nestas coisas não sabia que havia níveis, que se podia ser muito ou pouco, sempre pensei que ou se era ou não, mas assim vamos aprendendo. Parece que inventámos o meio patriota e o três quartos de nacionalista.

Outros preferem declarar o amor superlativo ao seu clube acima de qualquer outro amor, asseveram alto e a bom som que não querem saber da selecção, juram fidelidade só ao clube, e até fazem gala em levar a respectiva camisola aos jogos da selecção. Na hora H vemo-los sofrer tanto quanto os outros.

Depois há os entusiastas, que abraçam a selecção com todo o seu fervor, amam o hino, a bandeira, largam tudo para ver os jogos, organizam excursões em que da cabeça aos pés, mais a viatura e o animal de estimação, tudo tem as cores da bandeira. É tão cego esse amor ao símbolo que nem se apercebem da conjunção inestética de cores complementares, cuja explicação sempre soou a forçada, pura imposição republicana em ânsia de demarcação absoluta da monarquia, para ver se o povo se esquecia.

Os maiores entusiastas das selecções costumam ser os nossos em diáspora, porque a selecção é motivo de orgulho na Pátria longínqua, em seu entender não devidamente valorizada nos países onde vivem e lhes dá um sentido de pertença a uma comunidade. É a raiz que teimosamente querem preservar, quantas vezes regada apenas por eles, tal é a indiferença que lhes vota a terra-mãe.

Quando chegam os Jogos Olímpicos, aparecem as incongruências e o querer milagres à viva força. Até parece que no caso dos atletas portugueses ganhar medalhas é uma obrigação à moda das PPPs, uma obrigação contratual sujeita a indemnização. Como se não as ganhar fosse motivo de vergonha. Vá lá perceber-se porquê, mas de quatro em quatro anos os jornalistas descobrem um Portugal que desconhecíamos, um território imenso, com 400 milhões de habitantes, todos desportistas, e com campeões olímpicos em todas as esquinas. Duas semanas antes já fazem a contabilidade às medalhas e comparações com as Olimpíadas anteriores.

É verdade que temos um orgulho imenso de ver os nossos meninos e meninas em acção. Quando ganham, há milhões de casas, em Portugal e por todos os recantos do mundo onde haja um português, em que a lagrimita espreita a cada subida ao pódio, a cada medalha, a cada bandeira içada, a cada hino. Ainda conseguem considerar motivo de orgulho quando ficam nos cinco primeiros, condescendem mesmo talvez até ao décimo lugar. Neste orgulho desportista cabe também o barco da lusofonia: remamos, sofremos e exultamos com todos.

Nas vitórias volta subitamente o orgulho nesta terra, voltam as memórias do que fomos, jura-se que ainda seremos, que afinal somos capazes e a motivação anda pelas alturas da lua.

Mas teremos ainda orgulho quando perdem? Ou só não temos quando não se vê esforço? Não percebo esse orgulho seleccionado, dirigido. Sabe a pouco.

A fraca auto-estima de muitos portugueses cria obstáculos ao amor e ao orgulho. Este, sendo filho do amor, tem por isso de abranger o todo, um pacote herdado, com defeitos e virtudes. Ter orgulho em Portugal é amar a língua, o património, a paisagem, a História, a sabedoria popular, a nossa maneira de ser…

A falta de orgulho é porta escancarada para a total permissividade e cumplicidade na destruição sistemática, e até na venda ao desbarato do país e do povo.

De uma vez por todas temos de decidir se amamos, ou não, Portugal. E se amamos, temos orgulho. Sempre.

Leonor Martins de Carvalho