sexta-feira, 6 de julho de 2012

CARTEIRA DE SENHORA


DIA 23

Ando com a ligeiríssima sensação de que a carteira ouve recados de outras pessoas com sugestões de temas. Pensa que é dona do “quando o telefone toca” e dá-lhe prazer inventar frases sem nexo só para rimar com o nome do produto. Está-se mesmo a ver que depois fica deliciada a ouvir a “sua” frase vezes sem conta e impinge-me o tema sugerido por quem tinha a voz mais maviosa.

Desde o nascimento andam à nossa roda com mil cuidados para que sejamos competentes. Em variadíssimas áreas, ou vertentes, como é mania dizer agora. A primeira competência que temos de aprender é comer sozinhos (área alimentar), segue-se a competência para deixar as fraldas (área sanitária), depois para falar (área da comunicação), vestir, abotoar botões, atar atacadores e estar à mesa (área social), mais tarde escrever, ler, interpretar (área académica), e por fim o aprender de qualquer saber que nos permita sobreviver.

Vida fora exigem-nos competência e tentamo-lo em tudo aquilo que fazemos. Por isso, o que se espera também de quem nos governa é competência. Já nem falo de valores, que daria outra crónica, mas a competência deve constituir o serviço mínimo de qualquer governo.

Ou andamos em maré de azar há muitos anos ou esgotaram o stock de competentes.

Quando aparecem os números fatais das execuções orçamentais ou dos relatórios do Tribunal de Contas, nunca batem certo. Não são desvios pequenos e naturais, são sempre desvios oceânicos que nos obrigam a voltar às caravelas. Segue-se uma catadupa de justificações à laia de disfarce, mas nunca se põe em causa a competência. Ninguém admite o “Princípio de Peter”.

O problema não está na competência, está sempre em qualquer outra coisa e até nos números. Estamos agora a aprender um novo conceito de Aritmética. São afinal os números os incompetentes, uns safados que precisam de um puxão de orelhas ou um tempo na cadeia.

Claro que a incompetência não anda sozinha. Como incompetente precisa de compincha para se safar, por isso tem par, até vários, porque é muito dada. Para não lhe descobrirem a careca sem que daí lhe advenha entretanto algum proveito, escolhe como parceira de dança a corrupção, a desonestidade ou a sem-vergonhice.

O tempora o mores, quase se faz gala em escolher incompetentes. Alguns, ao princípio, enganam os incautos aparentando uma competência a toda a prova, mas sem como nem porquê descambam rapidamente. Serão os próprios governos fabricantes de incompetências de marca registada? Serão afinal os incompetentes a alternativa ao pastel de nata, um novo produto exportável tão necessário à nossa economia?

Não venham dizer que a culpa é nossa. Que mania esta, ultimamente, de tudo ser culpa nossa. Pura jogada de marketing a explorar o nosso eterno sentimento de culpa. Não é. É que não é mesmo.

Não venham dizer que merecemos. Também não. Ninguém merece esse destino da eterna desgovernança.

Do que temos culpa é de não termos competência para mudar as coisas.

Leonor Martins de Carvalho