sexta-feira, 25 de maio de 2012

CARTEIRA DE SENHORA

DIA 17

Não sei porquê, mas hoje pareceu-me que a carteira deixou que encontrasse o tema mais facilmente, enquanto disfarçava um sorriso entre o desdenhoso e o trocista. Deve ter-me achado inapta.

Está cientificamente comprovado que o português tem um gosto e um fascínio muito especial por máquinas. Seja qual for a espécie, género ou família. Do multibanco ao telemóvel, passando pelo computador e a Bimby ou até aquelas engenhocas multifacetadas que uns senhores sempre demasiado sorridentes e extremamente convincentes impingem nos programas de vendas a altas horas da madrugada.

Gosta tanto, mas tanto, que as inventa, e é muito bom nesse ofício. Os prémios nos concursos internacionais de inventores, de menção honrosa para cima, confirmam o jeito. A primeira ou segunda ceifeira-debulhadora em Portugal foi trazida por um querido tio-avô, não tanto para a pôr a uso, mas porque teve a certeza absoluta de que faria melhor… Tentou a vida toda.

Claro que há as excepções, os anti máquinas, os alérgicos às ditas e os desprovidos de qualquer apetência mecânica, mas são excepções, olhados de cima a baixo como uns coitadinhos. Aliás os maquino-dependentes adoram a ocasião de lhes demonstrar os seus conhecimentos altamente especializados seja no aspirador seja no Ipad. São os seus quinze minutos…

Gosta de máquinas, mas não gosta de manuais. Manuais são coisa de fraco e não se pode dar parte disso. Atira-se às máquinas sem pensar, e só in extremis procura disfarçadamente o manual que encafuou num sítio já não sabe bem qual.

Em geral, as máquinas foram inventadas para facilitar o trabalho do homem. Ninguém contesta esse facto. Contudo, há máquinas que substituem um trabalho manual mas depois dão outro. Basta pensar nas maquinetas de cozinha que no fim se têm de desmontar quase peça a peça para serem lavadas…

Todas as máquinas são celestiais até ao dia em que carregamos no botão e a única resposta é a inércia. Entra em cena o pânico e em segundos são adjectivadas como infernais. Diabólicas, até.

Se ainda decorre o prazo da garantia, a solução é mais ou menos fácil, dependendo da distância a percorrer até ao sítio onde foi comprada e do tamanho da máquina.

Caso contrário, o português tenta as soluções caseiras, numa escala que começa no abanão, inclui o murro e acaba na desmontagem e remontagem, sempre com peças sobrantes. Os mais engenhosos arranjam uma solução, considerada brilhante, com peças das mais estranhas proveniências, como molas da roupa ou cordéis a segurar uma peça solta.

Fatalmente as máquinas acabam na sucata, mas percorrem um longo caminho até ao seu destino final, porque não nos queremos desfazer delas assim, do pé para a mão, sem tentar tudo para que saiam do coma. As molas de roupa são tentativas desesperadas de reanimação. Afinal, não contando com aquelas que nos pareciam fascinantes mas na verdade não servem para nada, não conseguimos viver sem elas.

Todas as máquinas deviam ter um aviso como o dos maços de tabaco: Atenção, esta máquina provoca dependência.

Leonor Martins de Carvalho