sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

CARTEIRA DE SENHORA

DIA 5
Já aqui escrevi sobre quotidiano, como prometido, e penso ter usado q.b. de ironia, outra parte da promessa. Faltava a pitada de monarquia, e aqui está ela.
Deixei de contar as vezes que tentei escrever sobre o assunto, não por coincidência em número igual às desistências. Agora, disse a um amigo que tentaria deixar a alma falar, mas para isso é preciso que haja intérprete à altura. Os dedos e a mente podem não saber traduzir.
Um grande amigo, a propósito dos indissociáveis integralismo e monarquia, afirma que ele acordou com um duche, frio, enquanto eu tive direito a banho de imersão.
É verdade, mas é mais do que isso. A monarquia está entranhada de tal forma que faz parte de todo o meu ser. Entranhada naquilo que fui, sou e serei. Gravada nas curvas de nível imutáveis das minhas impressões digitais.
Tenho por isso enorme dificuldade em perceber a relutância de certas pessoas pela monarquia, quando ela me é tão natural e instintiva como respirar e amar.
Podia invocar argumentos políticos, económicos, culturais, que os há, até todos, mas comigo não é assim. Há quem lá chegue pela lógica, pela economia, pela tradição, pela razão. Posso também ir por aí, mas a razão é de outro teor, para mim mais funda, para outros, se calhar, incompreensível ou fútil: tem a ver com sentimentos, com afectos.
Um presidente não é meu. Ninguém diz o “meu” presidente. Nem os que nele votaram. Nem sequer dizem o “nosso” presidente. De facto, há apenas aquele momento em que votam, e imediatamente se desapegam. Não têm, nem sentem, qualquer especial ligação à pessoa.
As formas dos pronomes possessivos não querem nada com um presidente. Com o Rei sim. O Rei anda de mão dada com os pronomes possessivos. O Rei é meu, teu, seu, nosso, vosso e seu.
Ele é o país, a História, um povo, nós. Nós também o somos com ele, como foram os nossos avós e serão os nossos filhos, porque a aliança é inquebrável.
Quero acabar com este pesadelo. Quero um país de pessoas e de comunidades com voz. Quero um Rei. De preferência para ontem.
(Consegui desta?)

Leonor Martins de Carvalho