segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

EXPRESSO DO OCIDENTE

Quinta-feira, 1 de Dezembro
Quando o incrível parece confirmar-se, este 1º de Dezembro de 2011 terá sido celebrado pela última vez na condição de dia feriado. Estranhas escolhas de ainda mais raras criaturas, incapazes de atingir que sem a acção dos Conjurados que conduziu à Restauração da Independência em 1640, andariam hoje entretidos nas Cortes Generales a pensar se poderiam mandar o pagode trabalhar a 12 de Octubre - Día de la Hispanidad. É que os miguéis de vasconcelos de São Bento podiam mesmo ter cortado os feriados todos e mais alguns... menos este.

Sexta-feira, 2 de Dezembro
Depois da intervenção de Sarkozy ao anoitecer de quinta-feira, Frau Merkel anunciou esta manhã no Bundestag parte daquilo que tem em mente impingir aos restantes povos europeus com o tão prestimoso como idiota auxílio do húngaro que, por estes dias, ainda ocupa o Eliseu. A coisa tem sido tratada pela imprensa sem que se olhe com grande atenção ao fundo das propostas, como é aliás conveniente nestas coisas e apanágio de todo o processo de "integração europeia" - uma construção que se foi fazendo pelas portas dos fundos e sem grandes explicações para que os europeus notem a marosca o menos possível. Sabe-se aliás que sempre que alguém deu conta das notas de rodapé e a coisa foi levada a votos, sempre os referendos foram repetidos quando o resultado das urnas não foi coincidente com o desejo dos democráticos construtores do processo. Assim se passou na Dinamarca, em França ou na Irlanda, já para não falar da habilidade lusitana que nos prometeu um referendo para, como não fossem as sondagens suficientemente "seguras" às pretensões do governo europeu estabelecido em Lisboa, logo suprimir a intenção por artes mais ou menos mágicas.
Adiante, voltando às propostas de Merkozy. Querem então suas excelências, presume-se que sem direito a que as pessoas se pronunciem através do voto, instituir uma união fiscal e orçamental total, corolário do processo de liquidação de soberania a que temos vindo a ser sujeitos desde Maastricht. A receita é simples e desta feita consiste em retirar aos países europeus (e aos seus cidadãos, naturalmente) os pouquíssimos instrumentos de que ainda dispõem em matéria orçamental, intenção perceptível nas palavras da chanceler alemã (re)clamando "sanções imediatas": "deve ficar claro que qualquer violação das regras terá consequências" - uma tirada que, num mundo normal, teria indignado firmemente os diversos membros da União Europeia a quem a dupla de incapazes franco-alemã não passa aliás cartão. De forma pragmática e mais ou menos administrativa, anuncia-se um novo Tratado que ultrapasse as "limitações" (sempre as "limitações"…) do anterior e - a habitual cereja no topo do igualmente habitual bolo -, mais tomadas de decisão por maioria simples e qualificada e não por unanimidade, um "must" dos últimos Tratados. Não sendo bastante, ainda a senhora Merkel pretende obrigar os membros da zona euro a inscrever nas respectivas Constituições nacionais a célebre regra de ouro sobre os limites ao défice público. Ou seja, todo um cardápio de machadadas na já pouca soberania que resta, agora com a esfarrapada desculpa de só assim ser possível, de uma forma estrutural, descansar "os mercados".
Mas num quadro destes, quando é certo que as tais regras cuja violação implicará sanções imediatas significam para muitos dos países da zona euro anos de cortes e de sacrifícios provavelmente insustentáveis, poderá o avançar do processo de "integração à força" ser bem sucedido? Com esta carta de recomendações poderá a Europa subsistir tal e qual a conhecemos? Acaso a senhora Merkel já leu qualquer coisita sobre a sensibilidade da opinião pública do seu próprio país no pós-Tratado de Versailles, quando lhe foi imposto um registo de humilhação não muito distante daquele que agora quer oferecer a Atenas? Pergunto mais: já terá esta gente lido alguma História Universal, em edição de bolso que seja? Arrisco que talvez não. De outro modo saberiam que a tese do Fim da História não colhe merecimento e de que as construções artificiais feitas nas costas da vontade dos povos, no mais das vezes, acabaram inevitavelmente por tombar mais ano, menos ano. Ou pelo voto ou pela força.

Pedro Guedes da Silva