segunda-feira, 25 de julho de 2011

EXPRESSO DO OCIDENTE

Quarta-feira, 20 de Junho
O Público foi tentar saber quanto custa a um país que está de tanga, a sobreviver da ajuda - ou da usura - estrangeira, a peregrina ideia de levar avante a imposição do acordo ortográfico. Sem sucesso, parece que ninguém faz a mais pálida das ideias. Como é referido no Editorial, não deixa de ser espantoso que num país que faz estudos - e comissões, acrescento eu - sobre qualquer porcaria que não interessa a ninguém, não tenha havido ainda um único serviço que se tenha preocupado com o impacto da aberração nas contas do país. Às tantas, existissem os ditos estudos e talvez pudéssemos constatar que não só não seria necessária a extorsão do subsídio de Natal como ainda sobraria algum para prevenir os esbulhos vindouros. Não sendo assim, não só nos pilham a identidade como - para variar… - também nos vão ao bolso.

Quinta-feira, 21 de Junho
Informam as gazetas que Nogueira Leite, um dos prestimosos comentadores de serviço à onda laranja, verá premiados os seus inegáveis méritos abichando a vice-presidência da Caixa Geral de Depósitos, instituição cujas nomeações oscilam entre o escândalo e a comédia. Está reposta então a verdade dos factos - aquela que sustenta com convicção de obrigatoriedade que, uma vez atingido o pote, rosas e laranjas soltam idêntico perfume. Tão normal que já ninguém se espanta, ninguém se indigna. No café, o português observa a notícia, esboça um leve sorriso a oscilar entre a pena e a vergonha e lá vai à sua vida, tentando fintar as dificuldades diárias enquanto o dr. Nogueira Leite nos finta a nós.
Muito curioso que no mesmíssimo dia em que nos podemos congratular com o sucesso profissional de cartão laranja, o Jornal de Notícias nos diga que sensivelmente um terço dos deputados da anterior legislatura tivessem também assento em empresas públicas. E mais nos relata o diário portuense, citando Paulo Morais: não raras vezes, as empresas em questão tinham interesses cruzados com os assuntos que os estimáveis senhores deputados acompanhavam na sua desgastaste labuta parlamentar. Tudo coincidências, com toda a certeza. Tudo coincidências que, mais uma vez, não espantam ninguém.

Sábado, 23 de Julho
O tema de fundo do Expresso é um mimo: agentes (pouco) secretos transferindo-se (maila papelada) para posições de relevo em empresas também elas um pouco secretas, documentação confidencial que ao que parece qualquer cavalheiro com as credenciais certas poderá conhecer sem dificuldades de maior, teias de complexos interesses a que não falta uma fortíssima (e activa) presença da maçonaria e que de imediato me recordam o nome de uma das maiores séries televisivas de sempre - "La Piovra". O estado a que chegaram muitos Estados democráticos - sequestrados por uma canalha medíocre que tudo parece conseguir, de facto, em tempos de um individualismo sem limites - é desolador. Mas é ao mesmo tempo de tal maneira evidente, que espanta que possa existir uma alma que ainda não tenha percebido como todo este lixo funciona. Talvez por isso, garantem os pasquins - e nem era preciso, qualquer um de nós o observa à sua volta -, há cada vez mais gente a querer mudar de ares, com vontade de tentar uns tempos lá fora. Quem tiver juízo não os pode condenar.

Domingo, 24 de Julho
Com estas linhas que hoje assino, este Expresso do Ocidente que semanalmente transporta temas da mediocridade ao estimulante espaço do João Marchante, atinge o redondo número de vinte publicações. Um bom motivo, aliado à proximidade deste Verão que ameaça sofrer as maçadas do menos badalado arrefecimento global, para que vos poupe ao meu pessimismo antropológico até ao final de Agosto. Nos próximos tempos, imagino-me à beira-Atlântico entretido entre a família, muitas braçadas, as páginas do Nelson Rodrigues e outros pequenos prazeres, numa espécie de rotina que ajuda a viajar à meninice. Tenham então os meus caros amigos umas boas férias e aproveitem o que há. Enquanto há.

Pedro Guedes da Silva