quarta-feira, 1 de junho de 2011

SEM AGENDA

PC = CP -- O Politicamente Correcto como Censura radical do Pensamento

O politicamente correcto (PC), ou a correcção política, termo oriundo dos EUA nos anos 70, ...«é o evangelho da inclusão radical. É tratar todas as identidades e modos de ser como iguais», no pressuposto, naturalmente, de que ...«qualquer indivíduo é tão bom como qualquer outro». Da mesma forma, ...«qualquer modo de vida é tão bom como qualquer outro, e se há distinções, não são distinções de valor. Somos todos igualmente especiais, cada um de sua própria maneira». (Jim Kalb, "PC: The Cultural Antichrist", discurso proferido no Menken Club, Out.2010)

Partindo deste pressuposto, foi sendo construída nos países ocidentais uma política global preocupada ao extremo em evitar, ou anular, na linguagem e nos comportamentos, toda e qualquer discriminação com sentido eventualmente ofensivo para certas pessoas ou grupos sociais, nomeadamente os que por qualquer razão possam ser considerados minoritários, "diferentes" ou "inferiorizados". Algumas temáticas tipicamente cobertas pelo politicamente correcto incluem os domínios racial, das diferenças culturais e políticas, da sexualidade, das deficiências físicas ou psíquicas e dos "direitos" dos animais (espantosamente, já com dignidade para-humana, dir-se-ia), entre outros. Assim, tentando com uma só imagem caricatural concretizar a ideia do que é o PC, diria que o máximo do PC seria, por exemplo, uma jovem preta imigrante, testemunha de Jeová, lésbica, maneta e militante anti-touradas. E o seu contrário, considerado à partida como o inimigo natural a abater, seria, por exemplo, um português branco, morador em Fátima e frequentador da missa tradicional católica, casado e com sete filhos, leitor regular de O Diabo, antigo forcado amador e ex-comando do Ultramar.

Para melhor tentarmos compreendermos as origens deste estranho fenómeno, hoje em dia omnipresente, comecemos por ler este excerto do italiano Roberto de Mattei, do seu livro "A Ditadura do Relativismo", Civilização Editora, 2008:

«É minha convicção que o grande debate do nosso tempo não é de natureza política nem económica, mas de carácter cultural, moral e, em última análise, religioso. Trata-se de um conflito entre duas visões do mundo: a visão daqueles que acreditam que há princípios e valores imutáveis, inscritos por Deus na natureza do homem, e a visão daqueles que sustentam que não existe coisa alguma que seja estável e permanente, mas que todas as coisas são relativas ao tempo, aos lugares, às circunstâncias.

Não existindo valores absolutos nem direitos objectivos, a vida humana reduz-se a uma espasmódica procura do prazer e à satisfação egoísta de instintos e "necessidades" subjectivas, contrabandeadas sob a forma de novos "direitos". A vontade de poder dos indivíduos e dos grupos torna-se então a única lei da sociedade, constituindo-se, como afirma Bento XVI, "uma ditadura do relativismo, que não reconhece coisa alguma como definitiva, e que propõe como medida última o próprio eu e os seus caprichos".

A reivindicação da liberdade absoluta para o homem transforma-se assim numa ditadura férrea, pior do que todas as outras tiranias que a história conheceu -- como já afirmava no século XIX Donoso Cortés, prevendo, em consequência da perda dos princípios religiosos, "a constituição de um despotismo que será o mais gigantesco e o mais absoluto de quantos já existiram na memória dos homens".»

Penso poder dizer-se que o politicamente correcto, é uma nova (e velha) crença, e, simultaneamente, uma nova (e velha) política, aceleradas decisivamente nas últimas poucas décadas. E é também, por outro lado e sucessivamente, princípio, instrumento e resultado do actual triunfo, ou hegemonia prática, no nosso mundo ocidental, da segunda daquelas visões mencionadas por Roberto de Mattei -- a visão relativista, e o secularismo a ela associado. Este triunfo não foi uma evolução natural, por assim dizer. Ele foi sendo conquistado, ao longo de várias décadas, para não dizer séculos, através dum processo circular auto-sustentado, em que os resultados, ou seja, os "progressos" alcançados na mudança forçada das mentalidades e das legislações, como fruto de formas de propaganda cada vez mais maciças e diversificadas, serviram para reforçar paulatinamente aquele princípio último justificador -- o qual mais não é, afinal, afastada a ideia revelada de Deus, que a crença na divindade de cada ser humano e, a partir disso, o imperativo de tratar cada pessoa em termos radicalmente igualitários.

Para a visão relativista, e o seu Eu divinizado -- isolado ou em associações mais ou menos convencionadas de outros eus idênticos -- nada há mais decisivo e sagrado que a Liberdade e a Igualdade do indivíduo, entendidas estas, é claro, não conforme ensina a Filosofia-perene, mas à maneira da Filosofia-moderna e dos seus desenvolvimentos mais recentes, ao longo do século XX. Entre estes, assume primordial relevo na formação da doutrina PC o chamado Marxismo Cultural, de que foram talvez os maiores expoentes, Gramski, que abriu decisivamente a frente do combate cultural e religioso contra a cultura tradicional europeia, Marcuse, um dos aderentes da Escola de Frankfurt e da sua Teoria Crítica, que introduziu o tema da sexualidade, e Derrida, com o Desconstructivismo epistemológico aplicado aos textos, com aplicação também em vários outros domínios da cultura, como por exemplo, a arquitectura.

Por sua vez, a última raíz deste culto -- pois de um verdadeiro culto se trata, ao qual se aplicou depois, como manto, toda uma rebuscada e heterogénia sistematização racional -- poder-se-á ir buscar, segundo vários autores, como Plínio Correia de Oliveira no seu livro "Revolução e Contra-Revolução", São Paulo, 1959), na sua base antropológica, às inclinações naturais do orgulho e da concupiscência, quando ultrapassados os seus justos limites de salutar aplicação. Apesar do aparente paradoxo inicial, é bem sabido que o orgulho desmedido conduz à paixão da igualdade, como resultado da necessidade de anulação de todas as superioridades, que ferem o orgulho do homem médio.

Continuando com o norte-americano Jim Kalb, notável batalhador pelas ideias politicamente incorrectas, o grande problema trazido pelo PC é que este, ...«por princípio e intenção destrói a cultura enquanto tal», acrescentando: ...«isso pode não ser óbvio, uma vez que o PC proclama prezar tanto a cultura, que insiste terem todas as culturas o mesmo estatuto». E continua: ...«A cultura não é algo que possamos fazer só a nosso bel prazer. Envolve hábitos, atitudes, expectativas e crenças, em que temos o direito de confiar quando comunicamos com outras pessoas. O PC proíbe-nos de fazê-lo, só porque há alguém -- refugiados Somalis ou seja lá quem for -- que não os partilha, e o seu ponto de vista merece igual estatuto em todas as situações.» ...«De facto, ...o PC não destrói realmente toda a cultura, uma vez que a sociedade não poderia funcionar sem um mínimo de hábitos comuns, consensos e expectativas. Ele limita-se a desintegrar e a fazer das coisas uma salganhada, e a oferecer-nos uma cultura provisória amalgamada sobretudo com publicidade, propaganda política e conceitos terapêuticos de base duvidosa. Isso é mau de mais, e o resultado representará provavelmente o fim de tudo o que é civilizado e humano, se não da própria humanidade».

Uma das implicações mais graves da religião de divino Eu, continua Kalb, é que esta ...«agudiza o problema do conflito de objectivos. Se for o grande leader a ser endeusado, é fácil saber o que fazer. Fazemos como que ele diz. Mas que fazer no caso de todos nós sermos deuses e não estivermos de acordo? O Liberalismo resolve esse problema negando a existência de conflitos, ...através da distinção que estabelece entre objectivos legítimos e ilegítimos. Os objectivos legítimos são aqueles que aceitam a igual divindade de todos. Eu quero que todos me respeitem e as minhas vontades, portanto, terei também de todos respeitar e as suas vontades. Nada de mais óbvio.

O resultado é que a divindade dentro de cada um fica domesticada. Os objectivos são rasourados e feitos geríveis, por forma evitar conflitos. Na prática, isso quer dizer que só podemos ter três espécies de objectivos:

1. Satisfações privadas compatíveis com outras satisfações privadas -- ir às compras, desportos, hobbies, jogos de video e outros desejos, desde que sejam consensuais e não afectem os outros por aí além.

2. O carreirismo. O carreirismo contribui para o funcionamento do sistema, porque deixa as pessoas fazer o seu trabalho, dando-lhes ocupação por forma a que não façam ondas. Proporciona também, aos mais talentosos e activos, um motivo para conservarem "a bola baixa" e dizerem sempre o que é suposto estar certo. Este mecanismo é muito efectivo.

3. Suportar o Estado-Providência Liberal. Assim, é OK obedecer à lei, pagar os impostos, ser um activista PC e votar pela União Europeia. Não é OK ir aos TEA parties, e muito menos às conferências do Menken Club.

Os únicos pensamentos e acções legítimos são os que aceitam tal princípio. Esta é uma das razões da insistência do PC em rejeitar afinidades e distinções como sexo e herança, que não são necessárias a um regime comercial ou burocrático, nem reductíveis a gostos e gozos, entendidos como coisas puramente privadas.»

E Jim Kalb conclui assim: «Se não alinharmos com tudo isto e insistirmos na escolha de objectivos ilegítimos, não poderemos fazer parte do sistema. Dado que o sistema da igual liberdade é o único sistema legítimo da vida humana, isso quer dizer que somos inimigos da humanidade. Estamos já quase fora da raça humana. De facto, já não somos deuses, mas demónios. Quem isto diz é o Anti-Cristo PC.»

Para terminar, queria salientar que o Politicamente Correcto assentou arraiais em força também em Portugal, não só nas esferas oficiais do poder político e cultural, mas também já, infelizmente, em largos sectores da comunidade nacional, sem poupar a Igreja, o que nada espanta. Muitos portugueses de todos os extractos, desgraçadamente, são, neste momento, já vinha vindimada pela ideologia PC. Muitos outros estão desorientados, atordoados, porventura meio "desconstruídos". O último referendo sobre o aborto foi disso claro sintoma. Mas ainda há um núcleo de portugueses, decerto minoritário, que no seu íntimo se conserva relativamente livre desta doença infecciosa, desta verdadeira praga. Há que ter esperança na resistência e na regeneração nacionais, que terão de ser conseguidas, pelo menos inicialmente, a partir do patriotismo, da clarividência, do esforço e da coragem destes últimos.

No próximo Domingo tenciono ir dar o meu voto ao PNR -- Partido Nacional Renovador, que acontece ser, de longe, o mais politicamente incorrecto da nossa praça e um intérprete credível da dignidade e do interesse nacional, nestes tempos dramáticos. Conheço o meu amigo e insigne compatriota, José Pinto-Coelho, para mais de dez anos. Não tenho visto, nos últimos tempos, melhor exemplo de amor a Portugal e de coragem na defesa do nosso País. Pese embora a pequenez da hipotética influência que possam ter estas minhas palavras, não posso deixar, também eu, de dar a cara, aqui e agora. Isso é apenas, para mim próprio, um imperativo moral inescapável. Por Portugal.

Francisco Cabral de Moncada