quarta-feira, 11 de maio de 2011

SEM AGENDA







Duncan Stroik e As Raízes da Arquitectura Sacra Modernista (Parte I)

Há quem diga, e eu julgo encontrar-me entre os que também assim pensam, que a fealdade, obra do homem, é um pecado. Penso não haver grandes dúvidas de que todos os que conservam as suas capacidades sensoriais e intelectuais, acompanhadas de uma vontade sã, e estas três superiormente dirigidas pela consciência -- dentro de um amplo e generoso domínio a que poderemos sem grande risco chamar normalidade -- estarão em princípio equipados pela natureza para distinguir, sem grandes hesitações, o agradável do desagradável, o atractivo do repulsivo, o harmonioso do angustiante, em suma, o belo do feio. Semelhante aptidão se observa aliás também, dentro das mesmas margens de normalidade, quanto à capacidade inata de todo o homem para distinguir o bem do mal, o justo do injusto, e a coroar todas as distinções, pois todas resume, a verdade do erro. Por meio destas diversas categorias de distinções fundamentais poderemos decerto chegar, se tudo correr bem, a uma relativa realização do bem, do belo, do justo, do verdadeiro enfim. Estes valores supremos interligam-se, completam-se e mutuamente se implicam, formando o único todo que pode dar sentido coerente a todos os nossos actos e ao conjunto das nossas vidas, individualmente ou enquanto membros de comunidades.

Vem tudo isto para sublinhar uma verdade hoje muito esquecida: o belo, a beleza estética em tudo o que nos rodeia, é algo de absolutamente fundamental nas nossas vidas, associada aos outros valores supremos referidos. Não podemos dispensar o belo. Por conta de uma ideologia de base radicalmente individualista e materialista, o desprezo e a negação do belo, modernamente tão preterido por outras pretensas prioridades da vida, como a hiper-liberdade do "eu", o económico, o útil, o rápido, em suma, tudo o que possa proporcionar ao homem-massa (tanto o homem da rua como as "elites") o máximo de prazer ou poder instantâneos, tem-nos arrastado a todos não para o utópico e cantado paraíso, mas para um verdadeiro inferno na Terra. Basta ter dois olhos, e dois dedos de testa, para ver isso mesmo.

No mundo ocidental, o panorama da arquitectura sagrada, e particularmente a das igrejas católicas há mais de cem anos a esta parte, constitui um caso exemplar da emergência e posterior triunfo da acima referida ideologia, ou conjunto de ideologias, e da ruptura brutal com o passado verificada na concepção e construção de novas igrejas, operada não só por via de influências secularistas de raiz protestante como, a partir do início do século XX, da conquista obtida pelo chamado Modernismo, nas artes e na arquitectura em geral, e nas sacras em particular.

Duncan Stroik é um dos mais proeminentes arquitectos norte-americanos clássicos contemporâneos e um grande autor de arquitectura sacra, com um significativo número de igrejas e outros edifícios religiosos já construídos, com elevadíssima qualidade estética, funcional e constructiva. Sendo também um brilhante escritor dos temas da sua preferência, decidi hoje dar-lhe a palavra, para nos expor as suas ideias (traduzidas para português), publicadas no Adoremus Bulletin, St. Louis MO, Out. 1997, sob o título «The Roots of Modernist Church Arquitecture».

As Raízes da Arquitectura Sacra Modernista

«A Igreja nunca considerou um estilo como próprio seu. ...Seja também cultivada livremente na Igreja a arte do nosso tempo, a arte de todos os povos e regiões, desde que sirva com a devida reverência e a devida honra às exigências dos edifícios e ritos sagrados.» Sacrosantum Concilium, nº. 123

«Se você quiser ver arquitectura Modernista notável, você terá que dispor de muito tempo e do seu próprio Learjet.» Robert Krier

«Para muitos observadores instruídos, seria de crer que os edifícios reducionistas destinados ao culto Católico Romano, hoje em dia, são o corolário directo dos ensinamentos da Igreja, dos estudos litúrgicos modernos e da teologia contemporânea. E, decerto, a ser assim, a arquitectura Modernista deveria ser considerada o estilo da Igreja oficialmente aprovado, e, por tal modo, difícil de criticar.

De facto, nos anos sessenta a seguir ao Concílio Vaticano II, houve um grande surto de construção de igrejas austeras e frequentemente assemelhadas a edifícios comerciais ou industriais, assumindo a convicção de que seriam assim legitimadas pelo espírito do Vaticano II.

Mas todos esses caixotes de betão, esses abrigos tipo-celeiro e essas massas esculturais tiveram os seus precedentes na era pré-conciliar. De facto, já desde os primórdios do Modernismo, em finais do século XIX, se verificou a experimentação de igrejas com formas radicalmente novas. A ideia de adoptar para as igrejas os modelos de auditórios, teatros Gregos, casas gigantes ou teatros circulares, foi gerada a partir do baixo culto da igreja Protestante, enquanto que o reducionismo das igrejas post-Conciliares se baseou no movimento da arquitectura Modernista na Europa.

A Teologia Moderna e A Arte Modernista -- Deve assinalar-se que a corrente arquitectura de igrejas não é só filha da teologia moderna, mas também o é dos "mestres" do Modernismo: Le Corbusier, Walter Gropius, Alvar Aalto, Mies van der Rohe, Frank Lloyd Wright e outros. A Igreja aceitou de bom grado, e até adoptou, a arquitectura secular nos seus edifícios sagrados. Contudo, ao promover este "Estilo Internacional", não terá a Igreja desavisadamente adoptado a filosofia do Modernismo e involuntariamente prejudicado a sua própria teologia?

Primeiro, é bem sabido que a base filosófica da arquitectura Modernista pode ser achada, tal como a sua "prima" teológica, no Iluminismo Francês e no Racionalismo Alemão. E também é digno de nota que existe um paralelo entre a arquitectura da Reforma Protestante e a arquitectura iconoclástica dos finais deste século (séc. XX).

Com a Reforma, as igrejas foram despidas da estatuária, das pinturas e dos símbolos tradicionais. As novas igrejas foram projectadas como "casas-de-encontro", como se se recuasse para a Cristianismo primitivo, em que os crentes se reuniam na casa uns dos outros. Tendo a arquitectura perdido a seu valor como signo do sagrado, passou a ser vista como um mero meio de viabilizar as necessidades materiais ou funcionais da assembleia. Os conceitos da igreja como auditório e como teatro circular, provêm de edifícios do Calvinismo inicial, projectados para que as pessoas pudessem ver e ouvir o pregador, tais como em Charenton, França.

O Modernismo foi particularmente atraído para os tipos do auditório e do teatro devido às suas pretensões científicas de correcção acústica e visual, bem como pela convicção de que a forma de um edifício deve ser ditada pela sua função.

Durante a Reforma, a destruição do altar, do sacrário e da capela-mor foi uma prática comum, e, frequentemente, substituiu-se o altar por um púlpito ou por uma fonte baptismal, como ponto focal. As proscrições teológicas da Reforma contra as imagens e os símbolos foram retomadas pelos Modernistas no século XX, dando lugar a uma estética minimalista obrigatoriamente austera e com ausência de imagens.

A Necessidade de Romper com o Passado -- Um princípio essencial do Modernismo no virar do século foi a necessidade de romper com o passado, para encontrar uma arquitectura nacional ou uma "arquitectura do nosso tempo".

De acordo com a filosofia de Hegel, os edifícios foram vistos como um reflexo do espírito da época particular da sua construção, e portanto distintos dos de épocas ou estilos precedentes. Tal era confirmado pela crença no "homem moderno", o qual, pelo seu ineditismo histórico, exigia uma arquitectura inédita, de preferência científica, progressista, e abstracta.

Os primeiros promotores do Modernismo, tais como Louis Sullivan, Frank Lloyd Wright e Otto Wagner, fizeram ver bem claro que toda a aparência de elementos históricos ou de estilos, não é do nosso tempo e deve ser rejeitada.

De começo, esta rejeição da tradição foi feita pela subtracção ou pela abstracção dos motivos tradicionais nos edifícios. Mais tarde, inspirada pela pintura e pela escultura não-objectivas, a arquitectura Modernista procurou acabar com as distinções entre chão e tecto, interior e exterior, janela e parede, e sagrado e profano, distinções essas que sempre acompanharam, historicamente, a glória da arquitectura.

Triunfalismo Tecnológico -- Esteticamente, a arquitectura Modernista foi inspirada por obras de engenharia incluindo pontes, edifícios industriais e pavilhões de exposições temporárias, que eram grandes, económicos e de construção rápida. A máquina foi um paradigma essencial: o arquitecto suíço Le Corbusier pretendeu afirmar que o avião, o barco e o carro fossem modelos a seguir numa arquitectura funcional. Tal como um avião era projectado para o voo eficiente, assim uma casa era uma máquina para viver. Tal como os aspectos antropológicos, espirituais e tradicionais do domus para habitar e para criar uma família foram deitados fora na "casa como máquina para viver", assim também o ritual, o ícone e o sacramento seriam igualmente saneados da "igreja como máquina para reuniões".

Elaborando sobre os textos de Viollet Le Duc e de John Ruskin, o historiador Nicholas Pevsner e outros defenderam que a era moderna exigia não só o uso de materiais modernos tais como o aço, o vidro e o betão armado, mas que os mesmos também fossem visivelmente expressos nos edifícios.

Foi também defendido que um estilo moderno se gerava a partir do uso de materiais modernos e que esses materiais inerentemente implicavam e conduziam a uma estética reducionista. Isto era, em parte, uma crítica da construção, naquele tempo em curso, de edifícios de alvenaria tais como a St. Patrick's Cathedral e a National Shrine of the Immaculate Conception, construídos no século XX, bem como muitas capelas e igrejas construídas à maneira Clássica ou Medieval.

De facto, ao mesmo tempo que Auguste Perret construía, em Paris, uma igreja-salão Modernista em betão, Ralph Adams Cram e outros construíam igrejas Góticas e Renascentistas de betão armado (em West Point e na Califórnia), acabadas com ornamentação, molduras e esculturas. Tal como os antigos Romanos, que usavam betão oculto nas paredes e nas cúpulas de edifícios Clássicos, os arquitectos tradicionalistas do início do século XX usaram com brilhantismo a mais corrente tecnologia de construção, aquecimento e canalização, tudo dentro de uma estética humanista.» (continua) Duncan Stroik

Francisco Cabral de Moncada