segunda-feira, 30 de maio de 2011

EXPRESSO DO OCIDENTE

Terça-feira, 24 de Maio
As gazetas publicavam ontem inúmeras fotos do comício do PS em Évora onde, perante a ausência de portugueses, o aparelho socialista deitou mão de indianos, africanos e paquistaneses. Levados até às imediações da belíssima Praça do Giraldo em autocarros com ar condicionado, o bando de Sócrates prometia aos imigrantes incautos uma pequena marmita que lhes pudesse matar a fome que, dizem os especialistas no terreno, vai alastrando por estes dias um pouco por toda a parte. A cereja no topo de tão extraordinário bolo foi vista na SIC: questionado pelo jornalista, um dos indivíduos presentes confessava ter sido arregimentado pela Embaixada de Moçambique. Curiosamente ou talvez não e pelo menos que eu tenha visto, pois que não houve um único jornal, rádio ou televisão que se tenha lembrado de seguir o rasto do deslize investigando a pista moçambicana. Há coisas extraordinárias.
Já hoje pela manhã, tomava eu um café em plena esplanada da Praça de Londres quando vejo à minha volta dar-se início a uma concentração para uma grande arruada do PSD, o que equivale por dizer que me encontrava à hora errada no sítio errado. Apesar de tudo, a coisa permite-me verificar que, tal como em Évora, a presença entusiástica de populares é nula. Como não houvesse neste caso marmita, a poderosa máquina laranja descia então a Guerra Junqueiro com o inenarrável Fernando Nobre, Pedro Pinto e mais uns dez desconhecidos de tenra idade - vá, que fossem quinze… - que, perante a indiferença generalizada, gritavam pelas virtudes da laranja como se não houvesse amanhã.
A questão da indiferença é interessante e, creio que todos nós estamos disso bem conscientes (incluindo os homens das máquinas partidárias), o género engrossa a militância a cada dia que passa. O que se compreende: vamos a votos daqui por pouco mais de uma semana com programa eleitoral antecipadamente aprovado e que, ainda para mais, nos vai sair muito caro. A mando de instituições que nos são estranhas - qual protectorado -, dizem-nos que devemos eleger 230 deputados entre os responsáveis de sempre, gente que servirá, desta vez mais do que nunca, para coisa nenhuma. Ainda para mais, que opinião tem a generalidade dos portugueses dos "seus" representantes? "A opinião tem pela Câmara dos Deputados um sentimento unânime e unanimemente declarado: o tédio. Diz-se mal da Câmara por toda a parte. Os jornais mais sérios falam constantemente da sua improdutividade. Aparecem contra ela panfletos satíricos. (…) De que provém este desdém geral? De um surdo fermento de hostilidade que haja entre nós contra os grandes corpos do Estado? Da convicção nascida da experiência diária? (…) A opinião é legítima e fundada em experiência. A Câmara (tomemos a actual, para exemplo) não tem princípios, nem ideias, nem consciência, nem independência, nem patriotismo, nem ciência, nem eloquência, nem seriedade. (…) O que se quer dizer é que, como corpo constituído, sentada nas suas cadeiras, com o seu presidente, a sua campainha e os seus contínuos - a Câmara tem a falta absoluta de qualidade que a ilustrariam e a abundância de defeitos que a desonram". Sabem quem disse? Foi o nosso Eça, com a actualidade de sempre mas há mais de cem anos!

Sexta-feira, 27 de Maio
Os mercados, pela mão da União Europeia e do também nosso FMI, resolveram encostar a Grécia definitivamente à parede. Como tivessem falhado rotundamente os não-sei-quantos pacotes de austeridade que já foram impostos aos gregos e que vêm massacrando a sua economia, a União Europeia a que Atenas também pertence descobriu agora a pólvora que, a seu ver, solucionará o imbróglio montado: mais um severo pacote de austeridade, estimo que para aí o centésimo! O plano era perfeito e visto até com merecimento pelo primeiro-ministro Papandreou, não se desse o caso dos gregos não terem ido nisso - pelo menos para já. A oposição recusou assinar a papelada, as manifestações intensificaram-se (desta vez com mortos, segundo os ecos que chegam da terra do Sócrates autêntico), a revolta é crescente. A resposta não se fez esperar: a Comissão Europeia, numa inversão curiosa do célebre dito popular, afirma categoricamente que sem palhaços não há dinheiro, numa posição de "amigo" em que é acompanhada pelo FMI. Pelo caminho, crescem as vozes que asseguram não ter a Grécia qualquer hipótese de cumprir com o acordado, ao passo que também se observam com progressiva intensidade opiniões que apontam para a inevitabilidade da economia grega se ver forçada a regressar ao velho Dracma a curto ou médio prazo. Independentemente do final desta história, seja ela feliz ou não, é curioso registar o sepulcral silêncio sobre este tema dos políticos portugueses que prosseguem em campanha alegre. Tanto mais que, para muitos economistas insuspeitos, olhando o caso grego podemos eventualmente observar com antecedência o nosso próprio futuro. Mas entretidos com comícios e com os faits divers típicos da temporada eleitoral, as criaturas da troika portuguesa ainda não se terão apercebido de que o mais certo é que também nós nos possamos ver gregos com os resultados da sua já histórica irresponsabilidade. Voltando ao nosso Eça, que é muito cá de casa, isto "não é uma existência, é uma expiação".

Domingo, 29 de Maio
Ufa, fartos que estamos do carnaval instalado nas ruas de todo o país, é caso para gritar a plenos pulmões: já só falta uma semana! O resultado, esse, posso declará-lo já sem risco de falhar - escusam os meus caros amigos de aguardar pelas 20h00 do próximo domingo: vai ganhar a troika interna com maioria clara de dois terços. Fiel de uma balança que tenderá a cair para o lado laranja, o CDS (que nos últimos dias me diverte quando o observo a defender nas esquadras o contrário do que vem escrito no memorando que assinou) fará de qualquer modo governo com quem for preciso. E daqui por três semanas, os nossos patrícios que vão eleger esta troika estarão a engrossar as fileiras das manifestações que se intensificarão ao longo da próxima legislatura. Mas a vitória da troika, essa, está garantida. Não acreditam? Leiam o Eça: "Doze ou quinze homens, sempre os mesmos, alternadamente possuem o poder, perdem o poder, reconquistam o poder, trocam o poder… (…) Ora como todos os ministros são tirados deste grupo de doze ou quinze indivíduos, não há nenhum deles que não tenha sido por seu turno esbanjador da fazenda e ruína do país… Não há nenhum que não tenha sido julgado incapaz de dirigir as coisas públicas - pela imprensa, pela palavra dos oradores, pelas incriminações da opinião… E todavia serão estes doze ou quinze indivíduos os que continuarão dirigindo o País, neste caminho em que ele vai feliz, abundante, rico, forte, coroado de rosas e num chouto tão triunfante!"

Pedro Guedes da Silva