segunda-feira, 9 de maio de 2011

EXPRESSO DO OCIDENTE

Terça-feira, 3 de Maio
Superiormente agendada para o intervalo de um Real Madrid que prende mais gente às televisões do que todos os nossos pulhíticos juntos, eis que pelas 20h30 o engenheiro Sócrates se dirige à Nação. Para finalmente nos lembrar os sacrifícios a que teremos direito? Não, jamé! - como jurava o outro para quem a margem Sul era o deserto. Ladeado por aquilo que parecia ser a figura de cera do desaparecido ministro Teixeira dos Santos, Sócrates apronta-se para a grande não declaração do ano (não sem antes ter perguntado, imagino eu, "Ó Luís, fico melhor assim ou assado?"). Não se aprendeu nada: que não subia isto, que não nos tiravam aquilo, que poderíamos continuar a beneficiar do melhor dos mundos - por ele criado, já se vê; ou seja, veio o notável primeiro-ministro, com a proverbial lata que lhe é tão característica, dizer que não nos assaltava no bolso esquerdo. Preferia fazê-lo de outro modo. Qual? Saberemos quando falarem os "senhores estrangeiros" (como ouvi há dias), que são de facto quem manda.

Quinta-feira, 5 de Maio
Um nadinha antes de almoço falou a troika, aproveitando a ocasião para fazer desmoronar o castelo de ilusões que paira na cabeça do engenheiro: depois de estudarem o país num curto par de semanas, os senhores esboçaram em trinta páginas - em contraste com as propostas eleitorais dos partidos lusos, três ou quatro centenas de páginas que nunca ninguém leu, nem mesmo o revisor de texto - o programa de governo que vai a votos a 5 de Junho e que, pelas minhas contas, será sufragado por mais de oitenta por cento dos lúcidos eleitores lusos (entre os quais eu não me conto, convém referir para efeitos de memória futura). E ao contrário de Sócrates, a troika disse logo ao que vinha: vamos viver bastante pior nos próximos anos dado que, basicamente, um pouco por todo o lado vamos pagar mais, deduzir menos e receber quase nada. Para compensar - e estimo eu que para que os nossos "parceiros" europeus possam vender algumas carruagens e matérias conexas -, tudo indica que poderemos dentro em breve seguir de TGV para Madrid (diz-se mesmo que a Easyjet terá ficado em pânico com a anunciada concorrência…). Uma ideia que, como é sabido, deixa a Pátria entusiasmadíssima, em especial todos quantos (e são cada vez mais) se querem meter a andar daqui para fora um dia destes.
Ainda assim, pouco simpatizante das sucessivas machadadas na Soberania Nacional que hoje a tornam pouco mais do que uma selecção de futebol, permito-me não partilhar do entusiasmo da esmagadora maioria dos comentadores e analistas que vão ditando a opinião pública, também eles com responsabilidades pesadas de umas décadas no estado a que isto chegou. É que bem vistas as coisas, não há forma de evitar a comparação com os nossos parceiros de resgate. E se assim é, ora atentem os meus caros amigos nos resultados da intervenção de "auxílio internacional" na Grécia: os gregos, agora abancados em esplanadas a ver correr os dias de sol a sol fruto de um desemprego que cresceu 50%, receberam a rapaziada que os vinha ajudar quando os juros da dívida cotavam nos 7% lobrigando agora essas mesmas taxas bater recordes de 25%! A dívida, essa, galga já os 150% do PIB e as nossas conhecidas agências de rating, naturalmente, classificam o país inteiro - todo um berço da Cultura Clássica - como "lixo". Pelo meio, os nossos companheiros gregos não só não ficaram melhor como têm agora 110 mil milhões de euros para pagar, o que me lembra aquela máxima de que com amigos destes ninguém precisa de inimigos. Mas enfim, na minha perspectiva sempre amiga das mais admiráveis varandas do planeta, enquanto mantiverem a tutela sobre Santorini já não perderam tudo. Acresce o seguinte: dizem os economistas de serviço às televisões que "o caso grego é diferente". E porquê? "Porque lá as contas estavam marteladas, os governantes gregos eram uns aldrabões", rematam. Ficamos mais esclarecidos, já se vê que os nossos são gente de seriedade acima de qualquer suspeita.

Sexta-feira, 6 de Maio
Numa campanha que em quase nada se distingue da comédia, o desnorte dos lusos partidos é cada vez mais notório. Enquanto PS e PSD, aluados de todo, cantam vitória e reclamam os louros das nossas desgraças como se na verdade deles dependesse a existência (e o juro) do dinheiro, o CDS, como habitualmente, dá duas no cravo e três na ferradura para acabar por dizer que sim a tudo - e cá estaremos para ver se assim não será. Já a extrema-esquerda, apostadora que era da tese do quanto pior, melhor e do corte radical de ordenados, subsídios de férias, de Natal e do mais que houvesse, vê-se agora sem a pretendida muleta de campanha. Do mal o menos, pode sempre acontecer que os submarinos da armada UE/FMI afundem a jangada do bloco. Pelo meio, as sondagens apontam para um empate técnico que obedece a alguma lógica: é quase tudo tão mau no quadro político português que não se vê razão de monta para que alguém pudesse estar muito à frente.
Pela hora de jantar, na RTP, arrancam os habituais debates entre candidatos escolhidos a dedo. O único momento digno de registo foi protagonizado por José Manuel Coelho que, de vassoura na mão, irrompeu nas instalações da televisão que todos pagamos (sem que daí advenha vantagem visível) ao passo que polícias vários perseguiam o ex-candidato presidencial que reclamava apenas o cumprimento da Lei. O episódio é um bom retrato do país. Aplauda-se.

Domingo, 8 de Maio
Como estas coisas são altamente contagiosas, a maluqueira dos partidos portugueses atingiu a União Europeia (ou vice-versa, ou talvez seja mesmo em duplo sentido). A respeitável Der Spiegel jurava a pés juntos há menos de vinte e quatro horas que a Grécia ameaça saltar fora do Euro, o que teria motivado uma reunião de urgência de ministros das Finanças da zona (sem que o nosso tenha sido convidado). Talvez pelos brilhantes resultados obtidos pelas medidas impostas à economia grega de que falei antes, parece insustentável ao governo de Atenas manter uma caminhada com este ritmo rumo ao abismo. Ou pelo menos mantê-la sem que o povo grego, um destes dias, se chateie mesmo a sério e sem retorno. Em resposta, cada capital da União diz sua coisa, em sucessivos desmentidos aos desmentidos, numa esquizofrenia em que já quase ninguém se entende - boas notícias, portanto, para os que desde sempre recusam o federalismo europeu.
Pelo meio, arrancou a guerra internética - diz-se que com o alto patrocínio da Câmara Municipal de Cascais! Nas cada vez mais influentes redes sociais, propaga-se um vídeo que visa puxar as orelhas aos malditos finlandeses que, como se sabe e a fazer fé na imprensa lusa, andaram anos a fio a gastar o nosso dinheiro a ponto de nos terem deixado na bancarrota. Felizmente que temos o engenheiro para que estas maldades nórdicas não passem em claro. Mas mais do que o vídeo, que até é uma peça interessante se visasse apenas aumentar a auto-estima das massas, confesso que me espanta o generalizado entusiasmo com a peça, a incapacidade para perceber a quem aproveita o filme e, sobretudo, a sua irritabilidade para com a estimável Finlândia que, provavelmente, até vai mesmo acabar por entrar com algum. Em tempos de mediania, onde faltam referências e âncoras, onde não se vislumbram com nitidez aliados nem inimigos, parece que os portugueses com computador encontraram finalmente um alvo. A propósito, convém que Cascais compre já uma outra bazuca de gigabytes: é que os nossos velhos aliados também não parecem muito virados para fazer de lorpas.

Pedro Guedes da Silva