segunda-feira, 7 de março de 2011

EXPRESSO DO OCIDENTE

Quarta-feira, 2 de Março
Não fosse o motivo da visita e estávamos perante uma espécie de viagem no tempo até períodos medievos: de Portugal rumou à Alemanha grossa embaixada lusitana, desta feita superiormente liderada pelo nosso primeiro mailo notável titular da pasta do fisco. Informam as gazetas que seguiam de mão estendida, na esperança de que a benção da senhora Merkel lhes permita abichar a gamela por mais uns meses (mesmo que isso nos obrigue a apertar mais uma casa no cinto). Ao final do dia os noticiários não permitiam grandes conclusões, os tempos modernos pedem reuniões permanentes pelo que pouco conclusivas. Para a história fica a já célebre tirada de Sócrates que, num invulgar rasgo de patriotismo e firmeza soberana, terá clamado que "Portugal tem oito séculos de História e não anda a mando de ninguém" (ou coisa que o valha, posto que cito de memória). O nosso primeiro, não lhe bastasse o Inglês Técnico, tem destas coisas: fala lá fora para consumo interno e, juram os periódicos económicos, debita cá dentro de modo a ser ouvido pela Reuters e pelo Financial Times. Quer parecer-me que diga o que disser e independentemente da localização do púlpito, já ninguém o ouve nem sequer, mais importante, o leva a sério. Não se desse o caso de Passos Coelho estar mais preocupado com a táctica circunstancial do que com o país e seria caso para dizer que há males que vêm por bem.
Quinta-feira, 3 de Março
Chego a Madrid, onde me sobram alguns momentos, felizmente curtos, para deitar os olhos pelas notícias. Na sempre acolhedora e por estes dias fria capital espanhola, não há analista a quem se lhe ofereçam dúvidas: dos jornais às televisões, nuestros hermanos estão convencidos de que, pese embora a composição da comitiva lusa (ou talvez por isso...), seremos inevitavelmente resgatados pelo FMI ou por mecanismo europeu mais ou menos equivalente antes mesmo do nascer do Verão. E que a factura, tal e qual a de gregos e irlandeses, não nos vai sair barata. Dito de outro modo, a brincadeira xuxalista vai sair mesmo muito cara, o que me leva a pensar no seguinte: se Teixeira dos Santos clama em Bruxelas pela introdução de mecanismos de equilíbrio na Zona Euro que auxiliem os países em dificuldades (curiosamente, todos eles socialistas no momento do descalabro), a mim parecia-me de elementar justiça criar mecanismo idêntico por cá, algo que permitisse que os cavalheiros que têm votado PS e PSD ao longo de anos a fio e com convicção de obrigatoriedade sofram o correspondente agravamento fiscal. Com efeito e só para que se perceba a minha abertura de espírito, não me parece justo que um indivíduo que (ainda que estranhamente) sufrague o PCP deva ao estrangeiro tanto dinheiro como um desses boys colocados na PT à nossa custa, numa altura em que cada português já deve cerca de 15.000 €... e isto só à dezena de países que mais dívida portuguesa têm comprado. Ora, como eu não pedi nada a ninguém e também não lhes passei procuração, muito menos nas urnas...
Sábado, 5 de Março
Isto está animado: no mesmo dia em que Sócrates, tendo pela frente uma manifestação de gente que já não o pode ver nem pintado, teve que se escapulir de uma visita ao Hospital da Guarda pela porta dos fundos, eis que os famosos "Homens da Luta" vencem o Festival RTP da Canção beneficiando do voto do público e prometendo deslocar-se à gala da Eurovisão, curiosamente também ela em solo alemão, munidos de fardas militares, cartazes e megafone para aí defenderem as cores nacionais. Parece-me bem! Acho mais engraçado que os "Deolinda" e, bem vistas as coisas, pior do que a embaixada de quarta-feira não farão seguramente. Mas, sobretudo e não só por isto, chama-me a atenção a crescente disponibilidade dos portugueses para o protesto numa altura em que começam a sentir na carteira os apertos do bloco central (de interesses). Nem de propósito, é já no próximo sábado que uma série de movimentos informais iniciados nas redes sociais prometem chamar à Avenida da Liberdade (e um pouco por todo o país) largos milhares de pessoas que provavelmente dirão presente, apesar dos manifestos esforços do Bloco de Esquerda e de outros grupelhos de extrema-esquerda para tirar partido de uma participação que se pretende genuína e em massa. Conhecendo-se a propensão dos contemporâneos para dar um salto à praia em tardes de bom tempo e mesmo tendo assuntos importantes em agenda, declaro-me incapaz de imaginar se estará muita ou pouca gente; mas que o sistema merecia um valente susto... lá isso merecia. É de contribuir.
Já em Madrid, discutem-se de forma acalorada as medidas do governo de Zapatero - ao nível do nosso, é certo - que, a partir de segunda-feira, impossibilitam que se circule a mais de 110km/h nas autopistas e autovías. Assustados com o preço do petróleo e com os desenvolvimentos recentes no norte de África, percebe-se pelas explicações dos governantes que a coisa não só se poderá prolongar para além dos quatro meses inicialmente previstos como tenderá a fazer escola por outros países. Bem sei que já estamos habituados a apertar cintos vários mas, pelo sim pelo não, preparem-se para meter o pé no travão, desta feita também no do carro. Aliás e pelo caminho que a coisa leva, enquanto houver carro já não é mau...
Domingo, 6 de Março
A notícia também chega a Espanha onde, felizmente, ainda permaneço: numa sondagem do Le Parisien, Marine Le Pen - líder do Front National -, surge pela primeira vez como virtual vencedora da primeira volta das próximas eleições presidenciais francesas. Tal e qual como no "terramoto" de há uns anos, o sistema entra em absoluta histeria e o incapaz Sarkozy desata a chamar ao Eliseu ministros, secretas e demais responsáveis pelo estado a que (também) aquilo chegou. A um ano das eleições, não é ainda certo que em 2012 tenhamos quinze dias super-divertidos a contemplar a falta de norte da rapaziada que se habituou a viver à mesa do orçamento. Mas convenhamos que, para já, só a perspectiva já permite sorrir. Ao primeiro Prós e Contras dedicado ao tema, poderemos então começar a rir a bandeiras despregadas.
Pedro Guedes da Silva