quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

SEM AGENDA

O Ramo e a Árvore
Tenho para mim que as questões fundamentais da vida humana e de cada homem - ser único e irrepetível, misteriosamente destinado a cumprir um alto e mesmo absoluto privilégio entre os seres da natureza e a realizar-se integrado em grupos sociais naturais de diferentes ordens, numa variedade de soluções organizadas e organizadoras, cuja lógica última, se bem que a adivinhe bem real, completamente me escapa - se resumem a umas poucas perguntas:
Que é o universo e a vida? Que é o homem? Há uma boa vida possível, para todos e cada um? Em que consiste e como alcançá-la? Como explicar a coerência e o sentido último intuídos no universo e na nossa vida? Há uma Verdade ou só há verdades? Havendo a Verdade, podemos conhecê-la? O que será Ela?
Perguntas tremendas, esmagadoras, que, suponho, se podem desdobrar em todas as outras que possam fazer-se e para as quais, e a última acima, em definitivo, todas as outras, mais próxima ou mais indirectamente, mais tarde ou mais cedo, convergem. Desde sempre delas se tem ocupado a nata humana, num esforço persistente de gestos modestos ou hercúleos, heróicos ou discretos, tentativas e erros, reformulações e apuramentos, fins e renascimentos, em quantidades inimagináveis. Esse imenso desbravar, a história do espírito humano montado em carne e osso, chegou aos nossos dias através de inúmeros sucessos. Os seus resultados visíveis foram, consoante as visões de partida e as múltiplas, e mútuas, interacções, uma série de sistemas de conhecimento vivido e as respectivas tradições. São as Civilizações e as Culturas. Muitas já morreram e algumas subsistem.
Uma em particular provou ser superior às outras todas - a Civilização Cristã.
Superior, é claro, por aqueles critérios e naqueles resultados que realmente interessam, pois por esses, e só nesses, se realiza o homem - Bondade, Beleza, Justiça. Não está na moda dizê-lo, é mesmo uma grave e tripla heresia afirmá-lo hoje, mas é tal a pura verdade.
Pelo fruto se conhece árvore, nos disse O Divino Fundador. E a inevitável comparação, numa perspectiva histórica alargada, se feita de boa fé, diz-nos isso também precisamente.
Mas, Deus meu, a grande árvore cristã, outrora excelsa, é hoje um ser disforme.
Há uns cinco séculos ou mais, brotou um novo e estouvado ramo do seu garboso tronco, que foi depois entrando em conflito com a restante copa; conseguiu medrar, e à medida que foi crescendo, em ritmo surdo e certo ou em súbitos arrancos, os outros ramos e as suas folhagens foram empalidecendo, definhando e caindo. Felizmente, a árvore reagiu bravamente ao seu próprio mal, gerando de tempos a tempos alguns soberbos ramos novos, vigorosos e bem armados, num ombro a ombro titânico com o corpo estranho.
Contudo, nos últimos tempos e para já, é bem evidente que este conseguiu levar a sua avante. Mas de tal forma se avantajou e ao mesmo tempo torceu que começou a tombar sob o próprio peso, e, cavalgando deitado sobre os outros ramos, mais fracos e pequenos, em muito e cada vez para mais longe do tronco, os ultrapassou.
Agora, não se sabe o que vai acontecer. A grande árvore faz dó, está irreconhecível. Pior que isso - ameaça derribar, dado o peso excêntrico.
O ramo bruto, esse, não para de crescer. E este pobre de mim, de perto a tudo assiste - é uma simples folha.
A árvore, no entanto, vive, vai assim subsistindo. Viverá até quando?
Até ao fim dos tempos, creio firmemente.
Mas, enfim…, como?…, não sabemos, mas assim será - ouvimo-lo há muito de fonte segura.
Francisco Cabral de Moncada