quarta-feira, 18 de julho de 2007

ESTAMOS MESMO À BOA HORA (I)

«O dia divide-se em: horas visuais (as da manhã); horas sensuais (as da tarde); horas musicais (as do cair do dia). O que se faça nas horas visuais resulta nítido de contornos em conceitos e frases. Nelas escrevem os aforistas e melhor trabalham os pintores. Nas horas sensuais estão despertos os baixos sentidos — tacto, paladar e olfacto. São as horas de apalpar, de comer e de cheirar; e vão do meio-dia às quatro ou cinco da tarde, no inverno. O que se escreve nesse intervalo vem repassado desse sentidos. Cai a tarde, são as horas musicais. Então desperta o prazer do ouvido, e a prosa ou o verso são harmoniosos e ritmados.
São as horas estilísticas. Assim o género do poeta ou prosador é conforme as horas em que escreve: os clangorosos derrotistas escrevem de noite. Os variados em imagens escrevem de manhã. Os encharcados de sensorial carnal, os amorosos directos, escrevem do meio-dia às quatro, no inverno. Os doces de linguagem, de ritmo, os amorosos platónicos, escrevem por volta do sol-posto.»
MÁRIO SAA (1893 — 1971) [«Dez minutos com Mário Saa (Excerto de uma entrevista)», Diário de Lisboa, 24 Janeiro de 1936], Poesia e Alguma Prosa, edição Imprensa Nacional — Casa da Moeda, colecção Biblioteca de Autores Portugueses, Lisboa, 2006.